Dona Zica Assis responde ao artigo: “Respeite nosso cabelo crespo”

Carta de Zica Assis – Beleza Natural

 

Oi Ana Carolina,

Meu nome é Heloísa Assis. Mas, desde pequena, me chamam de Zica. Tenho 55 anos. Sou mulher. Sou negra. E por mais de 30 anos da minha vida eu fui muito pobre. Para sobreviver, comecei a trabalhar aos 9 anos de idade como babá. Fui empregada doméstica, cozinheira, lavadeira, vendi lingeries. Passei fome na infância. Mas nada disso me deixou tantas cicatrizes quanto o preconceito que sofri por causa do meu cabelo. E lamento muito se de alguma maneira com minhas palavras ofendi alguém como eu. Foi uma grande infelicidade que as expressões e gestos que usei pudessem dar margem para um entendimento negativo, o oposto do que valorizei a minha vida inteira que é a beleza e o respeito ao cabelo crespo.

Enviado pelo Beleza Natural via Guest Post para o Portal Geledés 

Eram os anos 70. Consegui emprego como empregada doméstica em casas de luxo no Alto da Boa Vista, bairro nobre do Rio de Janeiro, bem próximo da comunidade onde nasci, cresci, casei e criei meus três filhos. Lá, comecei a ouvir que meu cabelo era feio, “de bombril”, “ de arame”, sujo, armado demais, “juba de leão” e nega do cabelo ruim.

Logo o meu cabelo… meu cabelo que eu tanto amava e me dava tanta alegria! Sim, porque nas horas de lazer, meu maior prazer era ir aos bailes, onde eu desfilava orgulhosa meu black power. Era primeiro lugar em todos os concursos e, como prêmio, ganhava ingressos para retornar na semana seguinte.

O preconceito com meu cabelo me afetava muito. Me machucava, feria. Para permanecer no emprego, tive que alisar. Usei henê. Nunca vou esquecer o dia em que fiz a primeira aplicação. Era como se eu estivesse agredindo a mim mesma. Eu nunca quis alisar meu cabelo. Foi um dos dias mais tristes da minha vida.

zica2

Entenda o caso: Dona Zica, respeite o nosso cabelo crespo!

 

O resto da história, todo mundo conhece. Não me conformei, estudei, fiz curso de cabeleireira, pesquisei, cheguei à fórmula do Super-Relaxante, abri meu primeiro salão em 1993 e hoje, ao lado dos meus três sócios, toco a maior rede especializada em cabelos crespos do Brasil, o Instituto Beleza Natural. Temos 43 unidades de negócio em cinco estados, damos emprego a mais de quatro mil colaboradores. A grande maioria deles, como eu: mulheres, negras, de origem humilde, vítimas de preconceito no passado. Abrimos portas para quem nunca teve sequer uma janela aberta. E hoje elas têm a carteira assinada e a autoestima elevada. Este é meu maior legado, meu maior orgulho.

Por tudo isso, por tudo o que vivi, fico muito feliz com o progresso do movimento negro. Feliz em ver tantas meninas na internet, nas ruas, nas escolas, nos postos de trabalho exibindo orgulhosas seus cabelos crespos naturais. E recebo todas elas nos nossos institutos, onde oferecemos hidratações, cortes e outros serviços e produtos para o cabelo natural.

Os tempos são outros. O mundo – ainda bem! – mudou. O preconceito, infelizmente, ainda existe. Mas ele é denunciado. Ninguém mais acha certo que se negue emprego a alguém de cabelo crespo! É racismo. É crime.

Nunca quis, com meu Super-Relaxante, mudar a identidade do cabelo crespo. Nunca quis estabelecer um padrão de beleza. O que eu fiz foi dar uma alternativa a quem não tinha alternativa. Se ofendi alguém com meu discurso, quero que entendam que o que o Beleza Natural defende não é uma padronização de cabelos relaxados. É apenas uma alternativa que muitas mulheres resolveram aderir.

O importante é que cada um busque sua autoestima e sua beleza no que é, no que acredita. Seja com o cabelo natural, relaxado, alisado, trançado, megahair ou liso… Como diz o slogan do Beleza Natural, “Bonito é ser você!”

Um beijo, Zica

 

Leia Também: Ex-doméstica assume cachos e se torna exemplo de empreendedorismo

 

-+=
Sair da versão mobile