Em paralelo às guerras, ONU discute medidas sociais econômicas para afrodescendentes

Relatório do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas se baseia em documentação apresentada por Geledés

FONTEKátia Mello katiamello@geledes.org.br

Enquanto o mundo pega fogo em meio às guerras, há um avanço quase que silencioso na ONU no campo dos direitos das populações negras brasileiras. O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas publicou um relatório na semana passada sobre seis países, incluindo o Brasil. No documento, há uma evidente percepção de que o Comitê resolveu acatar sugestões do relatório sombra apresentado por Geledés- Instituto da Mulher Negra quando fez suas recomendações com recortes raciais.

Na prática, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais monitora o cumprimento dos Estados signatários da Convenção Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ICESCR), incluindo o Brasil, que garante os direitos econômicos, sociais e culturais, inclusive o direito à educação, condições justas e favoráveis de trabalho, padrão adequado de vida, mais alto padrão de saúde, e segurança social. No mundo todo, são 171 Estados que ratificaram a Convenção, entre eles o Estado brasileiro.

Entre os dias 25 de setembro e 13 de outubro, o Comitê analisou farta documentação de organizações da sociedade civil, inclusive o relatório sombra de Geledés, que esteve ali presencialmente nas sessões que ocorreram na sede da ONU em Genebra, na Suíça.

Neste relatório de recomendações ao Brasil, o Comitê enfatizou a necessidade de o País “tomar todas as medidas necessárias para prevenir e combater a discriminação persistente, o racismo institucionalizado e a desigualdade estrutural dos afrodescendentes, adotando uma política específica de desenvolvimento social e econômico como forma de reparação histórica e com o objetivo deliberado de alcançar a sua mobilidade social e acesso em pé de igualdade com todos os direitos humanos”.

No capítulo sobre os direitos ao trabalho, Geledés apresentou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) para argumentar que das quase 12 milhões de pessoas desempregadas no primeiro trimestre no Brasil, 64,2% eram negras, enquanto as brancas representavam 34,8%, com destaque para as mulheres negras com deficiência que enfrentam ainda maiores dificuldades para serem inseridas no mercado de trabalho formal. No relatório do Comitê, há uma recomendação específica para que o Estado brasileiro atente para a “desigualdade estrutural dos afrodescendentes através da adopção de uma política específica de desenvolvimento social e econômico”. Neste contexto, o Comitê aponta a necessidade de se dar prioridade a programas de formação técnica e profissional de alta qualidade, com enfoque nas mulheres, nos jovens, nas pessoas com deficiência e nos imigrantes, e em particular, nos afrodescendentes.

Ainda na esfera econômica, Geledés se manifestou sobre os índices de pobreza extrema no País e que vão além da insuficiência de renda, colocando a população afrodescendente em um quadro de insegurança alimentar.

Para atacar essa situação, o Comitê da ONU recomendou ao Brasil um sistema de segurança social que garanta a cobertura universal e proporcione benefícios suficientes para todas as pessoas, especialmente as mulheres afrodescendentes e indígenas. Sugeriu também um esforço redobrado para atender com maior ênfase as populações afrodescendentes e indígenas com baixo poder aquisitivo que não possuem moradia adequada.  

Ainda no enfrentamento à pobreza, o Comitê foi claro sobre a urgência de haver aportes direcionados aos grupos desproporcionalmente afetados, em particular os afrodescendentes, povos indígenas, quilombolas e, nomeadamente, mulheres, nas regiões norte e nordeste do País.

Ou seja, o Estado brasileiro foi mais do que alertado pela ONU sobre qual medidas deverá tomar para enfrentar com firmeza e seriedade as questões cruciais e urgentes relacionadas aos direitos econômicos e sociais da população afrodescendente.

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