Entrevista: “Está na hora de fazer o combate, de enfrentar a escravidão mental da população”, afirma Sílvio Humberto (PSB), pré-candidato a prefeito de Salvador

Presidente do PSB em Salvador, o vereador Silvio Humberto confirmou, em entrevista exclusiva para o portal Mídia 4P, que é pré-candidato a prefeito da capital baiana pelo seu partido. Ele é o quarto entrevistado da série de bate-papos publicados pela plataforma com os pré-candidatos negros à disputa pelo Palácio Thomé de Souza. Após falarem para a reportagem Vovô do Ilê (PDT), Vilma Reis (PT) e Moisés Rocha (PT), o pessebista abordou, nesta conversa, em seu gabinete, temas como o racismo das burocracias partidárias, o projeto político do movimento negro para a cidade de Salvador, o embate interno com a ex-senadora, ex-prefeita e atual deputada federal Lídice da Mata (PSB), que também é pré-candidata a prefeita, entre outros assuntos correlatos. Citando Gandhi, Silvio alertou que será necessário “fazer o combate” para chegar até o objetivo final de ter um prefeito ou prefeita negra em Salvador. E frisou, em tom de confiança: “Está na hora de enfrentar a escravidão mental da nossa população”.

Por YURI SILVA, do Mídia 4P

Foto: Tafari Melisizwe

AGENDA DA SÉRIE DE ENTREVISTAS

Conforme divulgado pelo Mídia 4P, as entrevistas serão publicadas na ordem e à medida em que forem feitas, com todos os candidatos negros que colocarem o próprio nome oficialmente na disputa pelo cargo de prefeito.

Até então, além de Vovô, Vilma Reis, Moisés Rocha e Silvio Humberto, já lançou oficialmente seu nome para o posto de prefeito de Salvador o deputado federal Valmir Assunção (PT).

Por um erro, Rocha e Assunção não haviam sido citados inicialmente na primeira reportagem publicada pelo Mídia 4P anunciando a série de entrevistas especiais. Contudo, os leitores sempre atentos da plataforma nos alertaram para o equívoco e, na sequência, convidamos os dois parlamentares para compor a rodada de entrevistas.

A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB) também foi convidada para a série de entrevistas. Embora não tenha lançado sua pré-candidatura, ela é postulante natural dentro da sua legenda à Prefeitura e não esconde o desejo de disputar o comando do Executivo Municipal soteropolitano.

Além disso, o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL) também colocou-se como pré-candidato, sendo convidado posteriormente para compor a série de entrevistas. O presidente do PSOL Bahia, o sociólogo Fábio Nogueira, informou à reportagem que a sigla não tomou definição sobre o pleito do próximo ano, mas a assessoria de Coelho confirmou a pré-candidatura dele.

Outros pré-candidatos negros que por ventura coloquem seus nomes na disputa pela Prefeitura também serão convidados a dar entrevista para esta série, que tem o objetivo de dar voz a essas lideranças políticas de Salvador.

A deputada estadual Olívia Santana, que havia marcado para dar entrevista ao editor-chefe do 4P Yuri Silva na última quinta-feira, 8, desmarcou o encontro pois está em viagem pelo interior da Bahia. Ela prometeu, por meio de sua assessoria, remarcar o bate-papo para breve, mas não confirmou data exata até o fechamento e publicação deste texto.

Hilton Coelho e Valmir Assunção, por sua vez, ainda não confirmaram as datas em que falarão à reportagem do portal Mídia 4P.

Agora, vocês leem a entrevista com Silvio Humberto.

Mídia 4P – Vou começar pelo mais óbvio. Silvio Humberto é pré-candidato a prefeito de Salvador?

Silvio Humberto – Sim. Há um tempo, eu fui até perguntado por colegas se eu me colocava como pré-candidato nessa disputa. Eu entendo que não só a minha candidatura, mas a candidatura de Olívia (Santana, do PCdoB), a candidatura de Vilma Reis (do PT) que vem agora, a candidatura de Vovô (do Ilê Aiyê, filiado ao PDT) mais recente, acho que a gente fez um efeito dominó, colocando esse debate como necessário para Salvador dar um salto civilizatório. O que temos de comum é que as pessoas que estão colocando seus nomes não propõem a mudança da cor pela cor. Estamos falando de um campo, de pessoas que têm uma história de luta em prol da igualdade racial em Salvador, na Bahia e no Brasil, pessoas que têm um legado de enfrentamento ao racismo. É desse lugar que nossas pré-candidaturas estão falando. Eu faço questão de afirmar sempre o campo, porque gosto de dizer que estamos construindo uma visão sobre a cidade. Para mim, a centralidade dessa questão racial é de fundamental importância.

Salvador tem diversas pautas que de vez em quando vão e voltam para o holofote, como a educação, a falta de assistência de saúde, o péssimo transporte público. Ter um prefeito negro teria que impacto sobre essas pautas da gestão pública, que afetam diretamente a população negra, mas em geral não são discutidas sob essa perspectiva racial?

Eu diria que a gente precisa separar algumas coisas. É muito importante ter um prefeito negro, uma prefeita negra, porque nós temos 500 anos nesse país, Salvador desde o século 18 deixou de ser a capital do Brasil, tem 131 anos de abolição, e a cor do poder na nossa cidade não muda. Você termina com a abolição, mas as hierarquias raciais são mantidas e, à medida que as hierarquias raciais são mantidas, você mantêm as hierarquias sociais. Então, eu entendo que o racismo levam a uma espécie travamento da cidade, que mantém a cidade em um círculo vicioso da pobreza. A gente não rompe o círculo da pobreza. A gente precisa, ao enfrentar ao racismo, e eu acho que é isso que temos de plataforma comum, você enfrentar algo que estrutura as relações sociais, as relações de poder. Se você não tiver políticas de promoção da igualdade racial para valer, para além de uma secretaria, mas ter a centralidade para enfrentar isso, a gente não vai resolver o problema da educação, da saúde, não vai resolver um problema que é crucial nessa cidade, que é oportunidade de geração de trabalho e renda para a juventude. Então a cidade não dá um salto do ponto de vista do desenvolvimento sem isso. Do ponto de vista simbólico, o mundo voltou seus olhos quando os Estados Unidos, considerado o país da segregação racial, elegeu Obama em 2008. Então imagine que o natural aconteça nessa cidade. Na política não tem natural, mas é o óbvio que poderia, nessa cidade de maioria negra, você chegar a ter um prefeito ou uma prefeita negra. E olhe que a gente está só se colocando. Não chegamos a ter um prefeito. Olhe o atraso civilizatório que nós temos. Ainda é uma discussão de pré-candidaturas e nós já observamos as resistências a essas pré-candidaturas. Então, eu diria que, se num primeito momento é uma negra ou um negro que é eleito, num segundo momento, ao assumir, você vira um prefeito negro. Então você tem todas as demandas da cidade, você precisa governar para toda a cidade, e entendo que precisa ser eleito para toda a cidade, numa visão de que as pessoas importam. Eu acho que uma característica importante nossa é trazer as pessoas para o centro, se importar com as pessoas, de entender que, para as pessoas estarem bem, você precisa enfrentar o racismo, o sexismo, precisa saber que a pobreza tem cor, tem gênero. O que eu entendo que quem passou por aí não tem é empatia com seu povo. Essa é uma característica que eu diria ser importante: você ser empático, sofrer junto. E nessa quadra que nós estamos, nessa conjuntura, se há essa possibilidade de sofrer juntos e apresentar alternativas, isso nós temos. Se num primeiro momento nós vamos ter essa simbologia, que é importante, é evidente que é preciso ter um plano, do plano ter um programa e do programa você ter um projeto para a cidade. Entender que essa precisa ser uma cidade para todas e tratar as pessoas de forma digna. Quando no debate sobre transporte público ainda estamos discutindo se vai ter ar-condicionado no ônibus, isso não é digno. Tem serviços nessa cidade que não estão à altura de uma metrópole e das pessoas que residem nessa metrópole. Vão dizer que vamos errar, isso é evidente. Mas as pessoas que estão administrando essa cidade não erram, eles acertam na gente quando não nos dão tratamento digno. Vão existir erros (quando um prefeito/a negro/a assumir)? Evidente. Você está numa administração pública de uma cidade que tem problemas seculares e tem uma herança de tratar indignamente a população. E você não vai resolver isso da noite para o dia. O que temos, e está chegando a hora, é que é preciso mudar. É pedagógico que as pessoas negras e mestiças apresentem uma outra visão sobre a cidade. É preciso de fato acreditar que é possível construir políticas públicas não para as pessoas, mas com as pessoas.

Como o senhor enxerga a dificuldade de diálogo sobre uma candidatura negra com as burocracias partidárias que se estruturam de forma racista?

Se olhar no retrovisor, já foi pior. A gente estaria fora da máquina, do sistema. Hoje não podem nos tirar dizendo que não cumprimos as regras. Eu sou presidente do partido, Olívia tem uma experiência, já foi presidente do partido, tem mandato. Eu tenho (mandato). Moisés tem mandato. Vilma é filiada ao partido. Vovô é filiado a um partido. Tem um dever de casa que está feito. Poder é finito. A gente está disputando poder. A gente está numa situação, lembrando até de Gandhi, em que na primeira eles ignoram, depois ridicularizam e na outra eles combatem. A gente está na fase do combate. É natural que quem tem poder não vai dar. A gente vai fazer uma disputa e essa disputa você vai pelo convencimento ou vai vencer as pessoas. Quem tiver a melhor proposta, vai vencer. O que a gente está dizendo e cobrando coerência da esquerda é que, se você defende justiça social, se você entende que a pobreza é multidimensional, tem cor, tem gênero, tem idade, tem território, se tem essa visão é preciso sair da retórica, é preciso sair da nota de rodapé dos partidos e dizer que temos pessoas viáveis. Por isso foi muito importante o documento escrito pelo professor José Sérgio Gabrielli. Nós estamos dizendo que somos viáveis. Dentro de uma cidade negra, isso é perguntar “por que o óbvio não acontece?”. A cor não conta? Como é que a cor não conta? Eu gostaria que a cor não contasse, porque o salto civilizatório que teríamos dado seria fantástico. O Brasil estaria em outro lugar. Mas a cor conta. Conta se você vive, se você morre, como você vive, como você morre, como você mora, como você se relaciona e como você aproveita as melhoras oportunidades essa cidade. Salvador é uma cidade negra e paraíso dos brancos. Temos que entender as pessoas que não compõem essa elite branca racista e que entendem a importância do enfrentamento ao racismo. É chegada a hora de dar continuidade a Búzios. Nós fizemos isso em 1798, quando estávamos lá defendendo República, igualdade, fraternidade e liberdade. Quem entende isso, se convenceu disso, que sabe a importância desse salto, tem que se somar. Tem que entender que é chegada a hora. É chegada a hora do povo bahiense, de verdade. É isso que estamos construindo, dentro da democracia. Ao defender a ideia das pré-candidaturas, com os movimentos que estão aí, o que estamos trazendo é uma visão sobre o poder dessa cidade, que tem que ser voltado para uma maioria. Como é que em pleno século XXI tem um lado da cidade pensando em robótica, games, e no outro há problema com fardamento? Isso são escolhas políticas, porque 25% do orçamento é obrigado a gastar com educação. É muito dinheiro. Algo que me marcou para todo o sempre e que me fez refletir sobre o que é ser político numa cidade negra foi entrar numa sala de aula trajado assim, como vereador, presidente da Comissão de Educação, uma criança ficar sorrindo o tempo todo e, quando a professora perguntou o proquê de ela estar sorrindo, ela dizer “é porque ele parece com meu pai”. Esse aspecto simbólico, essa empatia, tem um lugar, tem força, dá voto. As pessoas negras votam tranquilamente nas pessoas brancas, mas qual o problema de inverter isso? Qual o problema agora do leite votar no café? Qual o problema? Estamos falando de uma cidade em que 38% das pessoas não andam de ônibus porque não conseguem pagar. Se você não investir nas pessoas, se não potencializar nossas crianças e adolescentes, vamos perder gente. É de fundamental importância enfrentar o racismo e garantir educação e saúde. Esses são os pilares para colocar a cidade num patamar competitivo. O que estamos fazendo com essas candidaturas é encontrar uma janela de oportunidades na história. Quem é de esquerda, quem entende a igualdade e a equidade como valor e a justiça social como princípio não pode cair na armadilha de achar que a cor não conta numa cidade como essa.

Dentro dessa questão sobre as direções partidárias, a deputada federal, ex-senadora e ex-prefeita Lídice da Mata, que é considerada a maior liderança do seu partido, do qual o senhor é presidente, também se coloca como pré-candidata. O senhor falou que vai ser preciso fazer o combate, citando Gandhi inclusive. Como essa questão se dará no PSB?

Olhe, nós defendemos o socialismo democrático. A gente tem uma história. A atual deputada e ex-senadora Lídice da Mata tem uma história nessa cidade, tem uma história nesse país, extremamente respeitada, em prol da promoção da igualdade de gênero, racial, social. Essa é a história dela. Deixou uma marca na cidade com a Fundação Cidade Mãe. Foi extremamente perseguida por esse grupo que aí está (na prefeitura), porque, em nome de garantir o poder, se prejudicou a cidade, atrasou a cidade, são pessoas que só olham para o umbigo, com essa visão de Império de pessoas que exclui as pessoas, que não aceitam o outro lado. Então, dentro desse embate, eu tenho me colocado. Nós temos uma relação fraterna dentro do nosso partido. Estou me colocando porque é bom para o partido ter o meu nome e ter o nome da senadora e atual deputada Lídice da Mata. Para a cidade, ter os nossos nomes é bom para a cidade. Partido que não almeja chegar no poder não pode ser chamado de partido. Então a gente precisa querer o poder. Mas não pode ser o poder pelo poder.

Mas dentro do PSB o diálogo foi dificultado depois que você se colocou como candidato?

Não. Eu diria que é tranquilo. A política também tem suas tranquilidades e os seus momentos de tensão. Isso é parte do jogo político. No momento, estamos vivendo um clima de tranquilidade e de construção coletivo. Nós estamos construindo um programa junto com a cidade que é chamado “Salvador, Sua Cidade, Sua Gente”. Estamos fazendo debates. Vamos fazer isso com cada um dos temas. Com a educação, com a saúde, com a questão do meio-ambiente. Essa é uma ideia de fazer um debate com a cidade para construir um programa e oferecer, porque a gente só chega com a validação do povo. Esse é um momento singular, ímpar na história da cidade, na história política e nas histórias das relações raciais. A gente está discutindo enfrentamento ao racismo e políticas de igualdade racial como forma de destravar a cidade. Isso precisa ser pensado como uma estratégia social e econômica para a cidade.

Nunca tivemos tantas candidaturas negras. Qual o impacto dessa ebulição de candidaturas e qual a avaliação que o senhor tem sobre os outros nomes?

A cidade ganha com isso. O debate racial, do ponto de vista do avanço civilizatório, ganha. Até para que as pessoas saiam de dentro dos seus armários e venham debater. É um debate de convencimento. É preciso dizer que nós não vivemos numa democracia racial e que os piores indicadores estão com a população negra, entre os mais vulneráveis. A gente tem uma boa oportunidade de sair de um lugar e dizer que queremos influir diretamente, governando o destino da nossa cidade. Simples assim. Por que precisamos ficar o tempo todo fazendo escada para os outros? Por que nós temos que ser o tempo todo degraus e sempre manter a hierarquia racial e a hierarquia social? É preciso quebrar as caixinhas, ampliar a visão. Não quero nem discutir a direita. Estou falando do centro e da esquerda. Como diriam, “pegue a visão”. Isso que está acontecendo não é geração espontânea, não surgiu à toa. São anos e décadas das pessoas levando o debate. A Marcha Zumbi dos Palmares tem pelo menos 40 anos. Isso precisa dar em alguma coisa. Essas experiências de Luiz Alberto, Luiza Bairros, Valmir Assunção e outros que estão aí precisam servir de exemplo. O parlamento é importante, mas o Executivo é fundamental. Todas essas pré-candidaturas estão falando de um lugar, de formação dentro do movimento negro, que sabe da importância de enfrentar o racismo estrutural. Quando entramos no debate sobre políticas públicas, nós (negros) incluímos todo mundo. Veja o exemplo das ações afirmativas. As ações afirmativas trouxeram todo mundo. Trouxeram os segmentos pobres, os invisíveis. Quem foi que trouxe os indígenas, os quilombolas? Nós temos uma expertise de incluir as pessoas. O Ilê de 1974 foi o iconoclasta daquele momento. Isso é efeito do Ilê, do Olodum, do Muzenza, do Cortejo Afro. Isso é fruto dos terreiros de candomblé, de caboclo, dos Filhos de Gandhi, da Embaixada Africana. Eu posso lembrar do saudoso Limeira, que disse “se Palmares não existe mais, façamos Palmares de novo”. Está em jogo fazer Palmares de novo, está em jogo com essa geração a continuidade de Búzios. Mas Búzios estava falando, lá atrás, de igualdade, fraternidade e liberdade. Foi assim que se pensou no Haiti. Isso é história construída para o povo negro. Estamos dizendo que somos portadores de uma visão que entende que, para romper o círculo vicioso da pobreza, é preciso enfrentar o racismo e promover igualdade racial não específico numa secretaria. A Secretaria Municipal de Reparação (Semur) é a que tem o menor orçamento. De 12 secretários, só tem uma negra e está justamente onde? A secretaria que mais mudou o secretário foi a de educação, passaram uns sete por lá. Como é que tem uma reitora (Ivete Sacramento, ex-reitora da UNEB, titular da Semur) e não vai (para o cargo na educação)? Se você tem um modelo em que acha que as pessoas negras só servem para ser subalternas, com a gente isso vai mudar.

No xadrez político, vocês pré-candidatos negros são todos do mesmo campo, mas há as idiossincrasias, as posturas hegemonistas de partidos como o PT etc. Diante disso, e da nova regra eleitoral, como é que o senhor enxerga que vai ficar essa quebra-cabeça?

Eu acho que a regra eleitoral que, em tese, todo mundo tenha candidato, porque você precisa fazer vereadores e vereadoras. O que está interessante é que, dessa vez, o protagonismo não está nas mãos dos mesmos. Vou pensar pelo meu campo. Então isso leva, diante da singularidade, a uma mudança, um corte traumático. A gente está ouvindo os clamores das ruas, a gente tem conversado com as pessoas. E as pessoas têm dito que agora é o momento. O que não existe entre nós é a falta de união que às vezes dizem. O que existe entre a gente é convergência, porque a gente não perde a nossa identidade e continua ali. Estamos marchando em prol de algo que a gente considera importante para a cidade, que é igualdade. A gente está apresentando uma visão sobre a cidade, dizendo que as pessoas que não têm teto conta, que a moradia conta, que a educação para nossa juventude conta. Vai ser uma responsabilidade danada para quem chegar? Vai. Mas a missão eu posso dizer que será uma missão oguniana. Você vai ter que ir na frente abrindo os caminhos para outros. E, se não der certo, tenta de novo. Eles estão aí o tempo todo não dando certo e acertando na gente. E a gente não pode errar? Luther King afirmou que não somos super-homens nem super-mulheres, somos pessoas. Estou muito feliz com o fato de as pessoas estarem se lançando, oferecendo seus nomes. Vai ser uma luta árdua, mas o que eu ouvi dos diálogos é que não existe uma luta fratricida entre a gente. Isso é fruto do nosso amadurecimento político. A gente não vai deixar as armas dos colonizadores, dos racistas, para nos dividirem. Nesse momento a gente não precisa discutir colorismo. Eles vão tentar também usar o aspecto religioso. Temos que ficar atentos a isso, porque eles vão usar essas armadilhas para jogar um contra o outro. Agora a gente não tem os grilhões nas mãos, mas tem um pouco os grilhões na cabeça, então está na hora de enfrentar essa escravidão mental, não só em nós, mas na população. E eles aproveitem enquanto nossas mãos estão abertas, querendo conciliação e construção coletiva, porque quando nossas mãos se fecharem… Estamos abertos, querendo colocar Salvador em um outro patamar, de combater o racismo e o sexismo. É fantástico ter feministas negras como Olívia e Vilma como candidatas. Disseram lá atrás, por outro motivo, que éramos a cidade das mulheres. Mas esse poder precisa sair do poder simbólico e ir para o poder real. E aqueles que colocam como nossos aliados e se consideram do nosso campo precisam abraçar de verdade a causa, porque já fizemos muito, nós já fomos vagão demais dessa locomotiva. Isso não vem sem embate, mas como diria a nossa saudosa Makota Valdina, agora é a hora dos nossos jeitos.

O que vai ser mais difícil para chegar a esse poder real?

Inicialmente vencer as barreiras de dentro dos partidos para sair de fato como candidato. E, para isso, construir um programa como nunca se fez antes nessa cidade, com aqueles considerados subalternizados sendo protagonistas. Você vai ter que enfrentar o poder econômico. É preciso quebrar esse pacto narcísico. Eles só se veem. E a gente está dizendo que acredita na pluralidade, na diversidade. Já vencemos o desafio de acreditar que é possível. Vencido isso, vamos para o dia a dia, que é pensar a estratégia política, pensar o recurso e, acima de tudo, comprar um bom sapato e andar muito. Vão perguntar se estamos antecipando o debate, mas a gente sabe que quem não tem carro sai de casa mais cedo. Então, a gente está saindo de casa mais cedo. Mao Tsé-Tung falava que quando se quer andar 200 km a primeira coisa a se fazer é dar o primeiro passo. Então foi a tomada de atitude de vários e de várias, de quem entende a importância do combate ao racismo, que se garantiu essas conversas, essas movimentações. Há um medo grande de Salvador virar um Haiti, porque o processo de haitização provocou uma hecatombe nas américas. Agora é conclamar todo mundo. Por ser vários, eu acho que nós temos chances. Quem sabe agora a gente consegue realizar o que Capinam fala em sua música, em que ele diz “agora quem manda é a galera, navio negreiro já era nessa cidade-nação Salvador”. Para fazer de Salvador essa cidade-nação, a gente precisa se livrar do navio negreiro para a galera mandar. Então meu nome, Moisés, Vilma, Olívia, Valmir, Vovô são esses nomes que estão postos e caberá à galera que se vê e se reconhece escolher. E não só a galera que se vê e se reconhece, porque a gente precisa daqueles que não têm a cor, a história, mas é gente que se importa com gente e, por isso, é preciso ter muita fé na gente. E muita fé, porque precisa ter muita fé. (Risos)

 

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