escravidão: essa vergonha é nossa

Por alex castro

a escravidão africana nas américas foi talvez a maior tragédia da era moderna.

estima-se que cerca de 11 milhões de pessoas tenham sido transportadas à força da áfrica para as américas.

(outras estimativas mais agressivas calculam que cerca de 40 a 75 milhões de vidas africanas tenham sido perdidas por causa do tráfico, entre mortas em guerras para obter pessoas escravizadas, em emboscadas para capturar essas pessoas, ou em marchas forçadas para os portos exportadores no litoral.)

dentre as muitas nações responsáveis por esse lucrativo e criminoso tráfico, a maior culpada é portugal.

(principais transportadores de pessoas escravizadas para as américas: portugal, 4,6 milhões; reino unido, 2,6 milhões; espanha, 1,6 milhão.)

dentre as muitas nações que compraram essas pessoas e que construíram sua riqueza em suas costas, a maior culpada é o brasil.

(principais destinos de pessoas escravizadas nas américas: brasil, 4 milhões; américa hispânica, 2,5 milhões; índias ocidentais britânicas, 2 milhões.)

dentre os muitos portos brasileiros que receberam essa massa humana desgraçada, o principal foi o rio de janeiro. (dos nove deputados que votaram contra a lei áurea, oito eram da província do rio.)

além disso, quem inventou esse lucrativo e terrível modelo de negócios foi portugal – não por acaso, os primeiros homens brancos a explorar sistematicamente a áfrica. em 1441, antão gonçalves teve a dúbia honra de se tornar o primeiro europeu a comprar e trazer para casa pessoas africanas escravizadas.

depois desse ato inaugural de horror, a história se desenrolou rapidamente, comprovando o tino comercial da coroa portuguesa: já em 1452, arrancou do papa uma bula autorizando a escravização de infiéis; em meados de 1470, estava comercializando pessoas escravizadas no golfo do benim e no delta do rio níger; e, finalmente, em 1482, institucionalizando o tráfico, construiu a fortaleza de são jorge da mina, em gana, que em 2009 seria indicada candidata a “maravilha de origem portuguesa do mundo”.

(por si só, a escravidão é mais antiga que andar pra frente. todos os povos de todos os continentes de todas as épocas já tiveram algum tipo de escravidão, mas quase sempre cerimonial e economicamente insignificante. a escravidão africana nas américas é um novo tipo de fenômeno humano porque, pela primeira vez, temos nações economicamente dependentes de milhões de pessoas escravizadas que compõem muitas vezes a maior parte de suas populações. só o império romano chegou perto. sobre a escravidão antiga e moderna, recomendo escravidão antiga e ideologia moderna, de moses finley. sobre a escravidão como fenômeno global, recomendo escravidão e morte social, de orlando patterson.)

por fim, muitos e muitos séculos depois, no outro extremo dessa triste história, a última nação das américas a abolir essa escravidão africana inventada por portugal, a nação que mais teimosamente se agarrou às suas pessoas escravizadas até o último minuto possível, foi justamente a nação gerada do ventre português: o brasil. tristemente, nós.

de um modo bem real e doloroso, é difícil evitar a conclusão que esse enorme crime contra a humanidade é, em grande parte, uma responsabilidade lusófona e, dentro disso, brasileira. (e, mais especificamente ainda, e não que os outros estados sejam inocentes, carioca e fluminense.)

passei seis meses na alemanha durante a década de noventa. mesmo cinquenta anos depois da segunda guerra, mesmo entre adolescentes cujos pais e mães nem eram nascidos durante a guerra, basta uma menção a nazismo, holocausto ou auschwitz para fazê-las abaixar a cabeça em silêncio, envergonhados, culpados, tristes.

nós, no brasil, se tivéssemos vergonha na cara, se tivéssemos um pouco mais de memória, faríamos a mesma coisa ao ouvir menções a senzala, navio-negreiro, escravidão.

essa vergonha é nossa.

Fonte:Revista Fórum

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