Escritora fala ao Portal CUT sobre livro censurado pelo Sesi

Escritora do livro “Omo-Oba – Histórias de Princesas”, que fala de príncipes e princesas africanas, questiona o MEC sobre a aplicação da Lei de ensino da Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas

Por  Rosely Rocha Do Cut

Foto: Reprodução/CUT

Nos últimos dois meses, o Brasil viveu casos de racismo que não tiveram punição até o momento. Entre eles, a tentativa de desqualificação da biografia da vereadora Marielle Franco, brutalmente executada; o fotógrafo que não foi contratado por ser negro; a festa de 15 anos com pessoas negras fazendo papel de escravos; o estudante da FGV que enviou em grupo de whatsapp uma foto de um aluno negro o chamando de escravo; e o professor do Instituto Federal que declarou que odeia pretos e pardos.

O último caso, de conhecimento público, ocorreu poucos dias antes da celebração do Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial nesta quarta-feira (21). O livro “Omo-Oba – Histórias de Princesas”, que aborda temas da cultura afro-brasileira, foi censurado pelo Sesi de Volta Redonda, no Rio de Janeiro.

A denúncia veio à tona porque a mãe de um dos alunos publicou, no último domingo (18), nas redes sociais, um desabafo com críticas ao Sesi. Ela ficou indignada ao saber, por um comunicado, que o livro, de autoria da escritora e professora da Universidade Federal do Espírito Santo, Kiusam de Oliveira, havia sido censurado.

A escola tinha cedido à pressão de alguns pais de alunos que consideraram o conteúdo do livro de cunho religioso antes mesmo de lerem.

A postagem da mãe teve mais de 10 mil compartilhamentos e, diante da repercussão, o Sesi Volta Redonda voltou atrás e manteve a obrigatoriedade do livro.

Postagem da mãe de um dos alunos no Facebook
Comunicado do Sesi Volta Redonda enviado aos pais dos aluno

Para a autora Kiusam de Oliveira, a repercussão do caso reflete a atualidade e a importância do tema, mesmo 58 anos depois do massacre de negros na África do Sul, o que motivou a Organização das Nações Unidas (ONU) a criar o Dia Mundial de Combate à Discriminação Racial.

“Foi um sentimento misturado de choque, tristeza e frustração. Mas, ao mesmo tempo, dá uma vontade aguerrida de mostrar que o livro é importante para a literatura infantil. É um marco, pois trata de princesas negras, da África, contribuindo para o resgate da autoestima de meninas negras”, diz a autora.

Segundo Kiusam, o gerente-geral do Sesi pediu desculpas à ela e disse que a “censura”  foi um engano. A pedido dela, ele se comprometeu a realizar um encontro da autora com pais, alunos e professores nas unidades da instituição para uma conversa sobre a importância do tema.

“Minha intenção é que o MEC aplique a Lei. Não tem ninguém orientando professores e pedagogos. São ações individuais de alguns professores que colocam essa questão nas escolas”, conta a professora.

A professora irá lançar uma petição pública, de âmbito nacional, no próximo dia 31 deste mês, para colher assinaturas, com o objetivo de interpelar o Ministério da Educação (MEC) acerca da aplicação dos artigos 26A e 79B, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que tratam do ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira.

O livro “Omo-Oba – Histórias de Princesas”, lançado há nove anos, foi selecionado pelo Plano Nacional de Educação (PNE) e está em 39 mil escolas do país e no catálogo de Bolonha (Itália).

Para a secretária de Combate ao Racismo da CUT Nacional, Maria Júlia Reis Nogueira, a educação é uma porta de entrada para buscar essa mudança, mas a luta contra o racismo é uma ação de natureza política e não um processo somente educacional.

“O racismo não se resolve somente com a educação, até porque a escola muitas vezes é a instituição social que o reproduz”.

Segundo ela, uma parcela da sociedade reluta em dar voz para a população negra, principalmente quando buscam a afirmação da própria identidade étnica porque, quando os negros ganham voz, há mudanças que reposicionam os lugares simbólicos na sociedade.

“É preciso mudar a mentalidade da sociedade porque o preconceito racial é um problema social e histórico e está ligado à exploração. Para acabar de vez com o racismo é preciso acabar também com toda forma de exploração”, afirma a dirigente.

O que diz a Lei

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) se alinha à lei 11.645/08, que estabelece a obrigatoriedade da temática de história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo das escolas brasileiras.

A Base Nacional também determina que as instituições escolares devem “exigir um claro compromisso de reverter a situação histórica que marginaliza grupos”. Segundo o novo currículo do ensino, ainda é função das escolas “valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais”.

Significado da Data

O Dia Internacional contra a Discriminação Racial foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em memória ao “Massacre de Shaperville”, em 21 de março de 1960.

Nesta data, aproximadamente vinte mil pessoas protestavam contra a “lei do passe”, em Joanesburgo, na África do Sul. Esta lei obrigava os negros a andarem com identificações que limitavam os locais por onde poderiam circular dentro da cidade.

Tropas militares do Apartheid atacaram os manifestantes e mataram 69 pessoas, além de ferir uma centena de outras.

Em homenagem à luta e memória desses manifestantes, o Dia Internacional contra a Discriminação Racial é comemorado em 21 de março.

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