A favela, a polícia e a violência que se inverte

A cultura de corrupção que envolve hoje parte da polícia militar no Estado do Rio de Janeiro chegou no seu limite.  Não podemos relatar somente o fato inescrupuloso de ver agentes da política de segurança pública do Estado se corromper por relacionamentos com criminosos das mais variadas facções criminosas, mas por entender que essa dinâmica de relacionamento fez a lógica do sistema se inverter.

Por Walmyr Junior  Do: Jornal do Brasil

O número de assassinatos de policiais chegou a 152 só nos últimos dois anos. Os ataques a unidades pacificadoras seguem de forma constante em comunidades que, segundo a Secretaria de Segurança, são pacificadas. Policiais estão sendo atacados em viaturas policiais em serviço ou nas suas residências. O que dizer diante desses casos?

Na década de 1980, quando o malandro da favela não era bandido, se tinha o respeito com o cidadão policial. Esse mesmo, se relacionava com a criminalidade de forma ética e impondo devido respeito que sua corporação merece. O problema é que devido os baixos salários e a política de ‘guerra às drogas’, do fim da década de 1990 até os dias atuais, surgiu uma nova relação entre o policial e o malandro que vai ganhando nome de traficante, bandido e criminoso.

As relações de combate ao crime ganharam outra conotação nas favelas do Rio de Janeiro. Alguns policiais que antes reprimiam o crime, agora recebem suborno, que na favela recebe o jargão de “arrego”, para não fazer incursão ou até mesmo para avisar aos criminosos os dias de operações nas comunidades.  Esse sistema de relação proporciona um câncer na polícia militar, que se espalha, que a priore não tem cura e, por isso, precisa ser desmilitarizada.

Já relatamos inúmeros casos de abusos de autoridade e de crimes de corrupção dentro da corporação da polícia militar. Porém, o resultado que temos com esses contratos é o extermínio de parte de uma classe que teria que nos garantir no mínimo uma sensação de segurança ao andar pelas ruas. O que sentimos é o medo, e o que vemos é o caos ao andar pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro.

Aquele policial que durante anos recebia o ‘arrego’ para não coibir o crime, agora morre por seguir as regras do sistema que está mudando. Alguns policiais que trabalham em UPP dentro da favela enxergam a realidade que, ali, o bandido é rei. E se você mata criminosos, humilha moradores, denuncia os esquemas e não é de acordo com o reinado que foi garantido pela parte “podre” da polícia, logo você vai para a vala. Essa é a lei do morro.

A garantia dos sistemas subversivos dentro das favelas por segmentos da polícia é o principal motivo do grande desprezo que boa parte da população sente por esta corporação. Um policial que cobra propina para não multar o motorista de um veículo que está com documentos alterados merece respeito? Um policial que pede propina ao transporte coletivo de Kombis e motos dentro da favela, merece respeito? Um policial que invade a casa de moradores da favela sem mandado judicial merece respeito? Um policial que extermina a população negra das periferias criminalizando a pobreza merece respeito?

A verdade é que agora a propina é paga com a vida de alguns profissionais que entraram na polícia e assumiram a responsabilidade pelo histórico de violação de direitos e corrupções ativa/passiva.

*Walmyr Júnior é professor. Representante do Coletivo Enegrecer no Conselheiro Nacional de Juventude – CONJUVE. Integra Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ. 

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