FNB: O percurso da voz da resistência negra brasileira (1933 A 1938)

Reprodução/ Palmares.gov

RESUMO: O presente estudo pretende fazer uma retrospectiva histórica dos percursos da FNB de 1930 a 1937, a partir da cobertura feita pelo jornal  A Voz da Raça para compreender a contribuição da mesma na História da Organização Política dos Negros no Brasil. A Frente Negra Brasileira (FNB) foi um movimento social e um partido político. Fundado em 16 de setembro de 1931 na capital paulista, objetivava a ascensão social para a comunidade negra e desenvolveu um trabalho significativo socioeducativo, cultural, de cursos de formação política além de ter sido responsável pela publicação do periódico A voz da Raça (1933-1937). Para compreendermos a dinâmica social nesse movimento, a base teórica será História Política e História e Imprensa.

PALAVRAS-CHAVE: Raça; Imprensa; Resistência; Movimento Negro; Era Vargas.

 

ABSTRACT: The present study intends to make a historical retrospective of the FNB’s paths from 1930 to 1937, from the coverage made by the newspaper A Voz da Raça to understand its contribution in the History of Black Political Organization in Brazil. The Brazilian Black Front (FNB) was a social movement and a political party. Founded on September 16, 1931 in the capital of São Paulo, aimed at social ascension for the black community and developed a significant socio-educational, cultural work, political training courses and was responsible for the publication of the journal The Voice of Race (1933-1937). To understand the social dynamics in this movement, the theoretical basis will be Political History and History and the Press.

KEYWORDS: Race; Press; Resistance; Black movement; Age of Vargas.

Por Yasmin Sousa Teixeira e  Carolina Ramos de Souza, enviado para o Portal Geledés 

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende acompanhar a trajetória da Frente Negra Brasileira (FNB), buscando entender quais foram as dificuldades que seus membros tiveram para serem reconhecidos na qualidade de partido político, já que nesse momento todos os movimentos negros eram entendidos enquanto associações de caridade. Além disso, essa pesquisa busca compreender as contradições presentes na ideologia apresentada pelo partido e por seus líderes, tendo como foco as reflexões de Arlindo Veigas dos Santos, publicadas no jornal A Voz da Raça. Para tanto, há que se analisar em que medida o pensamento fascista influenciou tanto a construção do jornal quanto o fim do partido no momento em que o então presidente Getúlio Vargas institui o Estado Novo, em 1937, e colocou a FNB e outros tantos partidos na ilegalidade.

Quando entrei no curso de licenciatura em História pela Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS), eu ainda não me entendia enquanto sujeito histórico, nem como afrodescendente. Durante o curso, tanto pelo contato com escritores diversos como por vivências políticas de luta pela emancipação negra cada vez mais intensa, eu entendi pouco a pouco que meu corpo preto em uma universidade branca tinha um ponto de vista, uma contribuição importante a deixar.  Desde então, encontrar um tema se tornou um desafio, uma vez que já estava decidido que a temática seria racial, até porque compreendi logo a forma sistemática que a História do povo preto era mantida ausente da memória nacional. Uma ex-professora do curso, Ana Eugênia Nunes de Andrade, me deu a dica de pesquisar sobre O Teatro Experimental do Negro (SP) e sobre Abdias Nascimento. Foi nessa pesquisa que soube da Frente Negra Brasileira, que hoje é para mim uma forma de contar a história de resistência e organização política negra brasileira.

A FNB foi reconhecida como partido político no dia dezesseis de setembro de 1931, porém, antes disso, era comumente confundida como mais uma instituição de caridade como outras tantas da época ao invés de um movimento social de fato. O partido chegou a alcançar cem mil membros em todo o país, além de ter sedes filiadas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Sul. No que se refere à sua estrutura, a Frente Negra Brasileira era organizada em departamentos, sendo estes de 1) instruções e cultura, 2) musical, 3) médico, 4) imprensa, 5) esportivo, 6) artes e ofícios, 7) jurídico, 8) social, 9) doutrinário e 10) comissão de moços. Além dos departamentos, a FNB ainda contava com consultório dentário, salão de barbeiro e cabelereiro. 

Um caixa beneficente fazia parte e era possível fazer alistamento eleitoral. Festivais de música, cursos de alfabetização e oficinas de cultura eram organizados pelos partidários, sem contar que ainda existia a ideia de estabelecer uma instituição de ensino, o Liceu Palmares. Para Flávio Gomes, a perspectiva central consistia em ministrar no liceu aulas voltadas para o ensino dos cursos primário, secundário, comercial e ginasial a alunos-sócios da FNB, onde ainda deveriam ocorrer palestras e seminários que incluíssem o tema do racismo na pauta política e também, dentro das possibilidades, promover melhores condições de vida, saúde, educação e emprego. 

É interessante nos atentarmos para o fato de que nem sempre a FNB pôde manter seu nome, dado às perseguições políticas. Dentre outros nomes escolhidos tanto para o partido quanto para o jornal ocorreram como uma estratégia de sobreviver na ilegalidade após a instauração do estado de exceção em 1937, por Vargas. Por conseguinte, tais medidas foram necessárias, em especial, pelo caráter das publicações veiculadas pelo jornal, uma vez que:

A Frente Negra Brasileira (FNB) também divulgava em periódico próprio as comemorações referentes à data da abolição da escravidão realizadas por ela e destacava a importância do acontecimento para a comunidade negra e para o Brasil, enfatizando o papel dos “heróis” abolicionistas. A data representaria a libertação dos negros, e, por isso, deveria ser sempre relembrada e comemorada. Ela seria o início de um novo momento propício à luta e inclusão desse setor na sociedade brasileira, que se organizava social e politicamente desde o final do século XIX. (SENTINELO, 2010, p. 232).

 

A Frente Negra Brasileira surgiu exatamente da necessidade de se ter um partido político que lutasse pelo povo negro brasileiro, o qual desde a abolição da escravatura vivia majoritariamente na miséria, negligenciado pelo Estado e suas políticas públicas. Isso se deu porque em 1888, quando a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel, medidas de inserção social dos negros, agora livres, não foram tomadas, deixando aquela população à mercê, sem boas condições para lutar por sua sobrevivência. Contudo, cabe ressaltar que os três séculos de escravização e exploração da população africana e afrodescendente deixaram marcas profundas na nossa sociedade brasileira. 

Ainda que a escravidão tenha sido revogada, os negros continuaram sendo vistos sob a ótica escravagista, como indivíduos inferiores, desprovidos de direitos e de oportunidades. A permanência dessa visão sobre a população negra, agora livre, dificultou sua inserção no mercado de trabalho assalariado, na política, na academia, e em outros tantos espaços do meio social. Para entender a justificativa da criação desse partido e da luta negra no Brasil em geral é necessário entender, portanto, o que significou a abolição da escravatura e que a tentativa de trazer esses sujeitos para o cotidiano social não era cogitado como um projeto dos governos após a promulgação da Lei Áurea.

Para se compreender as consequências da Lei Áurea no Brasil, é preciso entender que a própria abolição aconteceu muito mais por pressão inglesa e motivos econômicos do que por motivos humanitários. Após a vinda da família real ao Brasil, forçada pela invasão das tropas de Napoleão no território português em 1807, a coroa portuguesa se viu entre uma ameaça de invasão do seu reino e sede do império pelos franceses e a advertência velada do parlamento inglês sobre suas possessões na América, como demonstrado por Carolina R. Souza:

Diante do dilema em que se encontrava o príncipe regente D. João, independente da escolha que fizesse – entre a inimizade da França ou da Inglaterra –, o castigo que recairia sobre o império seria igualmente desastroso. Em um discurso pronunciado diante do parlamento inglês, o primeiro-ministro William Pitt demonstrou que tinha plena noção da pequeneza de Portugal em relação aos seus vizinhos, aconselhando D. João a partir para a América, de onde poderia reconquistar o reino e punir os franceses por seus crimes contra a soberania portuguesa (2016, p. 41).

 

Pode-se, perceber, então, que a Inglaterra tinha um grande interesse de tornar as colônias espanholas do Rio da Prata e do Pacífico, além do próprio Brasil em mercados para seus produtos manufaturados e, por isso, sempre pressionava o governo português, aproveitando-se agora desse novo panorama possibilitado pelas guerras napoleônicas. 

Deve-se ter em mente que o Brasil possuía um modelo onde o trabalhador não possuía uma propriedade gerada por sua força de trabalho, como era o modelo escravocrata típico das colônias de exploração, o qual não favorecia os projetos econômicos dos ingleses, tendo em vista que já que nesse tipo de sistema as pessoas escravizadas são entendidas como mercadorias, ou seja, na qualidade de produto e, portanto, encontram-se impossibilitados de comprar e gerar capital. Os ingleses já tinham uma visão diferente da economia, uma vez que entendiam que a escravidão atrapalhava o desenvolvimento social e econômico dos países industrializados, o que era o seu próprio caso, que como foi dito acima, tinham interesse em ter o Brasil como mercado consumidores.

Mesmo com a pressão inglesa, era praticamente impossível acabar com o tráfico e a própria escravidão em pouco tempo, como afirma Caio Prado Júnior, a escravidão constituía a mola mestra da vida no país, repousando sobre ela todas as atividades econômicas.

As raças escravizadas e assim incluídas na sociedade colonial, mal preparadas e adaptadas, vão formar nela um corpo estranho e incômodo. O processo de sua absorção se prolongará até nossos dias, e está longe de terminado. (..) O que pesou mais na formação brasileira é o baixo nível destas massas escravizadas que constituirão a imensa maioria da população do país. No momento que nos ocupa, a situação era naturalmente muito mais grave. O tráfico africano se mantinha, ganhava até em volume, despejando ininterruptamente na colônia contingentes maciços de populações semibárbaras. (PRADO JR., 2011, p. 293).

 

A mão de obra escrava era, portanto, responsável pelo trabalho na lavoura e outras diversas atividades realizadas na colônia, como o trabalho doméstico, a prática das vendas, etc. Em vista desse contexto, o fim do tráfico afetaria radicalmente os grandes proprietários de escravos e de terra, isto é, a elite agrária, sendo esta a camada social que economicamente sustentava o império.

Apesar dos interesses econômicos e à pressão inglesa, o movimento abolicionista representou uma grande luta dos próprios escravizados pelo direito à liberdade. Desde o século XVI, já existia um clima de revolta em relação ao sistema escravocrata, diversas rebeliões aconteceram por toda a história do Brasil desde que os africanos chegaram nessas terras, o que se comprova pela própria existência dos quilombos, assim como a Revolta do Malês, que aconteceu no ano de 1835, na cidade de Salvador, na Bahia. Além desses exemplos de resistência coletiva que permearam toda história da escravidão no Brasil, diversos atos de resistência aconteceram liderados por escravos ou mesmo por negros libertos, que exigiam o fim da estrutura escravocrata, como o trabalho de escritores, jornalistas e advogados negros, os quais foram importantíssimos na defesa dos direitos dos mais tarde dos recém-libertos pela Lei Áurea.

Com o desejo de transformar o mundo, Castro Alves criou uma poesia capaz de chegar “nas nuvens do chorar da humanidade” e de ser “o arauto da liberdade”. Seu verso era “filho da tempestade” e “irmão do raio”; ele compunha para ser recitado diante da multidão, em praça pública, e criava poesia ára ir direto à alma do ouvinte e comovê-lo. Acima de tudo, sua obra foi inimiga da escravidão, e a esse combate Castro Alves dedicou boa parte da vida. (SCHWARCZ; STARLING; 2015; p. 305-306).

 

No campo da historiografia, durante muito tempo, a abolição foi entendida apenas pelo viés dos interesses econômicos e como se tivesse sido um favor concedido pela própria monarquia, na pessoa da Princesa Isabel. A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, doutora em História pela UNICAMP e professora da Universidade de Brasília (UNB) destaca em entrevista ao Diário Oficial do Município de Jeriquara, em São Paulo, que apesar dos diversos abolicionistas negros, a história oficial os reduzia a figura de José do Patrocínio de forma caricaturada, sendo este o traidor, como aquele que teria beijado a mão da princesa . Em sua tese, a historiadora apresenta nomes como os advogados e jornalistas José Ferreira de Menezes, José do Patrocínio e Luiz Gama, além de Ignácio de Araújo Lima, Arthur Carlos e Theophilo Dias de Castro, os quais se constituem enquanto personalidades marcantes dentro do processo histórico na luta abolicionista no Brasil, uma vez que:

(…) as vozes de Luís Gonzaga das Virgens, João de Deus, Lucas Dantas e Manuel Faustino ampliaram as fronteiras da comunicação interpessoal e espalharam-se pela cidade entre livres, libertos e escravizados, reivindicando uma sociedade em que as pessoas valessem por seus talentos e virtudes e não pela cor da sua pele. (PINTO, 2006, p. 20)

 

Segundo Darcy Ribeiro, a luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi, e ainda é, a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional. Ter a própria história negada é um exemplo claro que os negros não eram considerados cidadãos portadores de direito, foram pelo contrário por séculos considerados integrantes não dignos de fazer parte da memória nacional. Daí a importância de descontruir a representação de produto ou objeto de estudo para passar a se construir enquanto sujeito histórico.

A mudança de nome da FNB mostra a mentalidade da mesma já que permaneceu como Frente Negra Brasileira durante os anos de legalidade. A palavra Frente era comum no vocabulário ativista da época, o nome mostra a intenção de se mobilizar politicamente e cumprir seu objetivo que era promover a unificação da raça negra que, desde 1888, vinha lutando por meio de sacrifícios, quer natural, moral e intelectual para que se mantivesse ativa. Em novembro de 1937, o então presidente Getúlio Vargas decretou o fim dos partidos, das eleições livres e também da Justiça Eleitoral.

Devido a tal conjuntura, a FNB mudou de nome em alguns municípios para escapar da repressão, mas acabou perdendo espaço e força. Mesmo assim, continuou tendo seus passos vigiados. Em Cássia, no Sul de Minas, a frente passou a se chamar Sociedade Negra Princesa Isabel. Mesmo com a mudança do nome, foi fechada em março de 1938, como revela um dos documentos do DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo). No entanto, cabe refletir que adotar o nome da Princesa Isabel pode ter sido uma tentativa de fazer com que essa organização não fosse um perigo para a ditadura que acontecia já que a princesa era entendida como aquela a quem o povo negro deve ser grato – tendo em vista que a escravidão havia sido oficialmente abolida por ela, não haveria, segundo essa lógica, motivos para lutar por outros direitos. Por outo lado, a FNB nomeou seu liceu como Palmares, em homenagem ao quilombo dos Palmares que fora criado durante o período colonial no atual estado de Alagoas, trazendo à tona a existência de uma perspectiva de resistência negra.

Ainda sobre o contexto pós-abolição, cabe ressaltar que uma população recém-liberta da escravidão não tinha para onde ir, não havia maneiras de se sustentar em uma terra dominada por brancos. Para tanto, foi necessário criar maneiras de sobrevivência, enfrentar as dificuldades estabelecidas pelo Estado, medidas estas que se contrapunham à emancipação preta. Se isso tudo não fosse um artigo acadêmico e tratasse da história de um país poderia ser um conto de distopia, termo usado frequentemente para definir um lugar ou estado imaginário em que se vive sob condições de extrema opressão, desespero ou privação, que é o caso, já que a estrutura estava totalmente voltada a destruir o povo negro culturalmente, mantê-lo na base da sociedade, consequentemente os escravizando independente do sistema político adotado.

Trazendo o seguinte panorama, Darcy Ribeiro explica essa questão do negro oprimido após a lei que aboliu a escravidão:

 

Depois da abolição da escravatura continuaram atuando sob o negro livre, como fatores de sua expansão demográfica, as terríveis condições de penúria a que ficou sujeito. Basta considerar a miserabilidade das populações brasileiras das camadas mais pobres, dificilmente suportadas por qualquer grupo humano, e que afeta ainda mais duramente os negros. (1995, p. 211)

 

Fátima do Carmo Silva Santos, secretária da União Negra Ituana (UNEI), também nos traz um pouco do conteúdo necessário para compreendermos essa questão:

(…) desacompanhada de reformas estruturais, a Lei Áurea resultou em uma ‘demissão’ em massa do povo negro, já que eles não tinham emprego, educação ou qualquer condição de conseguir um trabalho que não fosse os oferecidos pelos seus senhores em troca de um teto.

 

Quando trago nos parágrafos acima que “(…) as maneiras de sobrevivência que viriam a ser construídas, teriam diversas dificuldades colocadas pelo governo” falo, por exemplo, da Lei de Terras. Em 1850, o país continuaria com sua estrutura fundiária e o final da escravidão poderia resultar em um colapso dos grandes produtores rurais, sendo assim, era dever do estado criar meios de garantir o acesso de poder a poucos. As legislações que se sucederam a Lei de Terras e trataram do assunto apenas reafirmaram medidas para garantir a existência de um contingente reserva de mão-de-obra sem acesso à terra, mantendo baixo o nível de remuneração e de condições de trabalho. Com a Lei de 1850 estava formatada uma nova estrutura – em substituição àquela que seria extinta em maio de 1888 – para sujeitar os trabalhadores.

A terra que passara a ter valor monetário, uma vez que anteriormente a 1850 era apenas doada, não representava um valor significativo para os fazendeiros, mas consistia no suficiente para deixar ex-escravos e pobres sem ter acesso à propriedade rural. Da mesma forma, imigrantes que tiveram suas passagens financiadas para vir ao Brasil (ato comum na política de imigração) eram proibidos por essa mesma lei de comprarem terras por um prazo de três anos após a sua chegada. Consequentemente, os trabalhadores rurais, sendo eles imigrantes ou escravos libertos ficavam totalmente dependentes dos senhores.

No dia 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea, o Estado deixou de reconhecer o direito de propriedade de uma pessoa sobre outra, porém, isso não representou a melhoria na qualidade de vida de muitos trabalhadores rurais, uma vez que o desenvolvimento de um número considerável de fazendas continuou a se alimentar de formas de exploração semelhantes ao período da escravidão.  As formas de exploração eram realmente semelhantes ao trabalho escravo, é exemplo disso os nordestinos levados a trabalhar na indústria da borracha na Amazônia. Após 1850, as exportações de borracha cresceram no Brasil devido ao aumento na demanda internacional pelo produto. Entre 1881 e 1890, representava 8% do total de exportações do país e ocupava o terceiro lugar entre os produtos mais vendidos. Vinte anos depois (1901-1910), a borracha passou a 28% do total de exportações. Isso levou o luxo à região amazônica, onde estavam concentrados os seringais que precisavam do trabalho de migrantes nordestinos, muitos deles fugidos da seca que atingiu o Nordeste entre 1877 e 1880. Assim se construía uma nova forma de exploração do trabalho negro e pobre.

 

Dito isso, podemos entender mais facilmente a necessidade de um partido político no Brasil, era necessário lutar ativamente pela inclusão dos negros no projeto de estado do país e um momento de crise econômica e transformações políticas como foi na época da fundação da FNB foi o momento ideal.

Com o Golpe de Estado de três de outubro de 1930, Getúlio Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório, dando fim à República Velha no Brasil. Esse foi um momento de polarização política, as forças políticas passaram a se dividir em esquerda e direita, porém as frentes da época não incluíam a questão racial em suas pautas, daí surge a necessidade de um partido feito pelos homens de cor para dar voz as causas do povo negro brasileiro.

 

A FRENTE NEGRA BRASILEIRA E A IMPRENSA NEGRA

 

O periódico A Voz da Raça consiste na principal fonte utilizada para o estudo da atuação da Frente Negra Brasileira, tendo em vista que este foi um jornal de movimento político negro no Brasil, sendo ainda capaz de se espalhar por diversos segmentos da sociedade. Miriam Nicolau Ferreira traz um trecho de José Correia Leite no seu artigo “A Imprensa Negra Paulista: 1915/1963”, sobre o aparecimento dessa imprensa:

São Paulo era uma cidade cosmopolita, de minorias raciais e nacionais, como colônia alemã, espanhola, italiana, etc., que tinham seus jornais e sociedades fortes. O negro então fundou seus jornais e sociedades para fazer, também, suas reinvindicações.

 

No entanto, A Voz da Raça não foi a primeira imprensa a representar a causa negra no Brasil, uma vez que outros periódicos  se apresentam como elementos importantes desse movimento, como são os exemplos apresentados no artigo de Alex B. Lima (2009):

 

Periódico Período Informações sobre o periódico
A Pátria 1889 Fundado pelo tipógrafo abolicionista Ignácio Araújo Lima.
O Propugnador 1907 Fundado na cidade de São Paulo
A Pérola 1911 – 1916 Fundado na cidade de São Paulo por funcionário da Cia. de Gás.
O Menelick 1915 – 1916 Fundado pelo poeta Deocleciano Nascimento (na época, fundidor e estudante do curso noturno de contabilidade do Liceu Salesiano); título em homenagem ao rei etíope Menelick II, líder no processo de independência da Etiópia.
Binóculo 1915 Fundado por um grupo de rapazes da Barra Funda, era chefiado por Teófilo de Camargo, alfaiate.
A Princesa do Oeste 1915 Veiculavam-se críticas à moral e comportamentos sociais da comunidade negra paulistana.
A Rua 1916 Jornal que foi lançado no bairro do Brás por Domingos José Fernandes.
O Xauter 1916 Fundado por Deoclecio Mine; em suas folhas veiculava-se notas sociais, crônicas a críticas a comportamentos, seu título significa guia dos caminhantes nos areais da Arábia deserta.
O Bandeirante 1918 – 1919 Fundado por Antônio dos Santos e Joaquim Cambará (militar do Exército), entre outros.
A Liberdade 1919 – 1920 Fundado por Gastão R. da Silva, fiscal municipal.
A Sentinela 1920 Dirigido por Ernesto A. Balthasar.
O Kosmos 1922 – 1925 Dirigido por Frederico Batista de Souza, bedel e depois amanuense da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, periódico de associação homônima, publicava notícias e ensaios literários de escritores negros.
Elite 1923 – 1924 Fundado por Alfredo E. da Silva, funcionário da Recebedoria de Rendas; caracterizou-se pelo hermetismo do grupo de escritores e de seu clube recreativo, promoviam bailes, piqueniques e viagens.
A Princesa do Norte 1924 Editado por Antônio Silva.
O Clarim da Alvorada 1924 – 1940 Fundado por Jaime de Aguiar, funcionário público estadual, e José Correia Leite, escritor autodidata, que trabalhava em “serviços de drogaria ou depósito de artigos farmacêuticos”; congregou número importante de militantes e intelectuais do meio negro.
Nosso Jornal 1924 Fundado por Teófilo Camargo e Cornélio Aires.
Auriverde 1927 – 1928 Fundado na Capital por João Augusto de Campos.
Tribuna Negra 1928 Fundado na cidade de São Paulo.
Progresso 1928 – 1932 Fundado por Argentino Celso Wanderley, funcionário da Cia. Telefônica; originou-se da cooperação para comemorar o centenário de morte de Luís Gama.
Quilombo 1929 Fundado por Augusto Euzébio de Oliveira.
Chibata 1932 Fundado por José Correia Leite para criticar a Frente Negra Brasileira, tivera apenas duas edições.
A Voz da Raça 1933 – 1937 Periódico da Frente Negra Brasileira, fundado em São Paulo, dispunha de um corpo fixo de colaboradores e aceitava a colaboração de voluntários – brancos ou negros – desde que se alinhassem à linha de atuação do periódico.

 

A Imprensa Negra foi dividida pelo sociólogo francês, Roger Bastide, em três períodos: 1) 1915 a 1923; 2) 1924 a 1937 e 3) 1945 a 1963. O primeiro período está ligado à Primeira Guerra Mundial, nesse momento os jornais são importantes, divulgam ideias de liberdade, a guerra desperta a população negra brasileira para a busca de direitos, como por exemplo, a educação primária gratuita, esse tema aparece frequentemente nas páginas impressas. O segundo período marca a formação, desenvolvimento e apogeu da FNB e de seu jornal, sendo esta a afirmação dos direitos históricos dos negros era o objetivo, o racismo e a necessidade de reconhecimento de cidadania eram foco. O terceiro período vem com o Estado Novo em 1937, com a supressão de todos os partidos políticos e o regime de censura à imprensa, o que determinou o fechamento da Frente Negra Brasileira e também dos outros jornais negros.

  Em geral, os jornais reforçavam o sentimento de integração na sociedade brasileira, além de enfatizarem a necessidade de reivindicar direitos legítimos de cidadãos através da luta contra os males internos e externos que afligiam a população negra. A FNB nasceu em SP e com sua imprensa não foi diferente, na capital paulista encontramos o maior número de jornais negros criados em todo o país nas primeiras décadas do século XX, Florestan Fernandes fala um pouco sobre esse cenário:

São Paulo constituía, naquela época, uma das cidades paulistas e brasileiras menos propícia à absorção imediata do elemento recém-egresso da escravidão. Sobre o pano de fundo da concepção tradicionalista do mundo e da dominação patrimonialista (exercida por reduzido número de famílias “gradas” e “influentes”), São Paulo aparecia como o primeiro centro urbano especificamente burguês. Não só prevalecia entre os homens uma mentalidade marcadamente mercantil, com seus corolários característicos – o afã do lucro e a ambição do poder pela riqueza. Pensava-se que o “trabalho livre”, a “iniciativa individual” e o “liberalismo econômico” eram os ingredientes do “progresso”, a chave que iria permitir superar o “atraso do país” e propiciar a conquista dos foros de “nação civilizada” pelo Brasil. (FERNANDES, 2008, p.37)

 

O jornal A Voz da Raça era o instrumento de comunicação oficial da FNB. Portava a ideologia do partido, propunha incentivar negros a competirem com brancos em todas as áreas da sociedade. Além de serem contra a ideia de branqueamento populacional. Para Alex Benjamim de Lima, a historiografia aponta o jornal A Voz da Raça como um dos mais importantes e significativos no meio negro, pela sua longevidade, estrutura, organização e prestígio político-social. O jornal era muito bem organizado, recebiam verba da FNB e tinham um contrato com as Graphicas Mariano para sua impressão.

Possuía um viés nacionalista pautado na exaltação dos negros. Os exemplares d’A Voz da Raça contavam com seção de comunicação sobre diversos assuntos, ligados principalmente à comunidade negra. Possuíam também anúncios de aniversários, casamentos, notas de falecimento, divulgação de notícias esportivas, com foco em atletas negros, anúncios de profissionais e colunas fixas para prestação de contas do orçamento da Frente Negra Brasileira.

Mediante toda essa conjuntura, o presente estudo usará a perspectiva orientada pelo diálogo entre História e Imprensa tanto no sentido de trazer a própria História da Imprensa, neste caso da Imprensa Negra, quanto de usá-la como fonte histórica. Para usar esse tipo de fonte, é necessário entender a história do periódico escolhido, a compreensão do contexto é essencial já que o que se passava nos campos político, econômico e social do país e do estado se torna extremamente necessário quando se dispõe a estudar um meio que existiu para noticiar o que acontecia nestes segmentos. Devido a isso, “[…] a imprensa age sempre no campo político-ideológico e, portanto, toda pesquisa realizada a partir da análise de jornais e periódicos deve necessariamente traçar as principais características dos órgãos de Imprensa consultados” (ZICMAN, 1985, p. 90).

A pesquisa aqui tratada conta com metodologias da Nova História, a Escola dos Analles, já que trabalharemos com fontes da imprensa jornalística e foi essa Escola que proporcionou o olhar a esse tipo de objeto de estudo tanto se falando da fonte quanto do tema, a História política e cultural passa a ser valorizada a partir dos Analles também. Analisar a Imprensa dentro dessa perspectiva é poder ouvir vozes que não estariam nos documentos ditos oficiais. 

[…] a Imprensa é rica em dados e elementos, e para alguns periódicos é a única fonte de reconstituição histórica, permitindo um melhor conhecimento das sociedades ao nível de suas condições de vida, manifestações culturais e políticas, etc. Seu estudo é enriquecedor sobretudo quanto se tem interesse pela História Social, História das Mentalidades e História das Ideologias (ZICMAN, 1985, p. 89).

 

Ainda assim, não se constrói a pesquisa apenas com a Imprensa, Marc Bloch, em sua famosa Apologia da história (1941-1942), diz-nos que “os documentos e os testemunhos só falam quando sabemos interrogá-los”. O periódico pode ser entendido como uma fonte primária, as publicações de um jornal não são suficientes para a pesquisa, tendo em vista que, para Elmir, “a imprensa não pode ser fonte exclusiva para qualquer pesquisa histórica. É imprescindível a pesquisa bibliográfica […] para situar o objeto de nossa pesquisa num quadro maior de estudos sobre o nosso assunto” (1995, p. 7).

Comunicação, comunicação de massa e representação simbólica são conceitos importantes para se compreender o uso de Imprensa, já que essas são algumas de suas características. Para Blikstein, comunicação é a “operação de transferência por meio da qual um indivíduo torna as suas ideias e necessidades comuns a outros indivíduos a fim de obter uma resposta” (1992, p. 92). No caso o meio de comunicação é a própria imprensa. Para entender a Comunicação de Massa podemos ir até Thompson que trás que “a produção institucionalizada e a difusão generalizada de bens simbólicos através da transmissão e do armazenamento da informação/ comunicação” (2002, p. 287) e também de que a expressão “massa” está relacionada à dispersão de informação a grandes grupos. Mas alerta que: […] o termo “massa” não deve ser tomado em termos estritamente quantitativos; o ponto importante sobre comunicação de massa não é que um determinado número ou proporção de pessoas receba os produtos, mas que os produtos estão, em princípio, disponíveis a uma pluralidade de receptores.

Sendo assim, o desafio do historiador ao usar a Imprensa é não repetir apenas o conteúdo do periódico sem uma releitura, considerando que o documento é resultado de uma montagem de acordo com os interesses de seus colaboradores. “Não somos os leitores-modelo do jornal. Nós somos leitores empíricos de um jornal que teve outros leitores empíricos no momento em que este circulava” (ELMIR, 1995, p. 3).

 

A FRENTE NEGRA BRASILEIRA NA ERA VARGAS

 

Para desenvolvermos esse estudo é necessário entender o pensamento político do presidente da FNB, que foi tão frequente nas páginas do jornal do partido. Uma questão interessante que devemos analisar é a proximidade dos ideais de Arlindo Veiga dos Santos com os ideais integralistas. A Ação Integralista Brasileira (AIB) tinha ideias ultranacionalistas, corporativista, conservadoras, católicas e de extrema direita. Fundado por Plínio Salgado, o partido foi inspirado no fascismo italiano e no integralismo lusitano. Os integralistas e os frentenegrinos tinham certa aproximação de ideias. Salgado teve um de seus artigos publicados no jornal A Voz Da Raça e há fontes que dizem que Veigas participou do Primeiro Congresso da Ação Integralista Brasileira, onde teria feito um discurso prometendo o apoio da Frente Negra Brasileira e de seus 200.000 negros aos integralistas, porém não foi possível checar a veracidade dessa informação.

A formação social e política de Arlindo Veiga dos Santos foi extremamente católica e conservadora, se envolveu com igrejas protestantes também, havia um ar meio messiânico na sua postura. Veiga dos Santos era “inclinado a profecias, predestinações, premonições, símiles evangélicas, julgava-se inspirado por Deus e dotado de carisma. Acreditava que ao completar 33 anos lhe aconteceria algo muito importante” (Carta de A. Paim Vieira, São Paulo, 17/2/1977 apud Malatian Roy, 1978: 51), ele que foi escolhido como presidente por já ser um nome importante e conhecido na elite intelectual paulista, teve também uma participação em movimentos monarquistas, em 1928, por exemplo, na companhia de alguns amigos, fundou o Centro Monarquista de Cultura Social e Política Pátria-Nova (CMCSP Pátria Nova). Veiga dos Santos entendia que a instauração do III Império seria a solução dos problemas brasileiros. Essa aproximação do presidente da Frente Negra Brasileira com o movimento monarquista Pátrianovista e com o integralismo é polêmica e trás muitas discussões nas pesquisas sobre o movimento negro. Podemos entender essas questões como uma contradição? Ou analisando o contexto social e histórico da época, junto à formação de Veiga dos Santos podemos compreender melhor a construção da Frente Negra Brasileira?

Arlindo Veiga dos Santos é entendido por alguns autores, como é o caso de Petrônio Domingues, autor do artigo O “messias” negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978): “Viva a nova monarquia brasileira; Viva Dom Pedro III!”, como um negro reacionário, já que acreditava na volta de uma ordem política que oprimia os negros e os manteve escravos por tanto tempo. Além disso, Veigas era xenófobo e antissemita. É possível ver em seus escritos que acreditava em um suposto complô judaico-maçônico. Petrônio Domingues trás para nós que 

Descrente nas instituições da democracia liberal, culpava o capitalismo imperialista, a ação dos judeus e da maçonaria, de um lado, e os comunistas, de outro, pelas mazelas da sociedade brasileira de um modo geral e, dos negros, em particular. Rechaçava radicalmente o parlamento e as eleições, atribuindo-lhes uma das causas da “desordem, desorganização e ruína” do Brasil. Igualmente, abominava os partidos políticos, considerados nefastos porque representavam várias facções; logo, atentavam contra a unidade nacional. Na sua concepção, a solução para as mazelas do país, tais como: a desonestidade, a imoralidade, os erros políticos, econômicos, a inflação, a impunidade, só dependia de uma solução totalitária: a instauração de um Estado orgânico neo-monarquista dotado de um governo forte. (2006, p.3)

 

O líder negro em questão era também anticomunista, a Liga contra o comunismo teve sua participação entre 1932 e 1933, ele repudiava todas as ideologias liberais, democráticas e comunistas e acreditava que as mesmas contrariavam a realização do “Cristo total”, algo que só seria alcançado pela fidelidade à fé.

Ao construir a Frente Negra Brasileira, Veiga usou dos termos Deus, Pátria e Família, que era utilizado pelos integralistas e pelos patrianovistas, e o lema do partido passou a ser DEUS, PÁTRIA, RAÇA e FAMÍLIA, como podemos observar na seguinte imagem:

O lema escolhido pela FNB nos mostra o caráter fascista da construção ideológica do partido, os regimes fascistas valorizam de forma intensa o sentimento de nacionalismo, isso vem na palavra PÁTRIA e na maioria dos artigos de A Voz da Raça, o fascismo estabelece também um governo totalitário que tem o controle dos direitos dos cidadãos tanto politicamente, culturalmente ou economicamente. A religião é um instrumento importante na manipulação das massas, o pensamento religioso cristão também está presente nos discursos da Frente e impresso em seu jornal. Porém como uma das funções da FNB e d’A Voz da Raça era a valorização da cultura negra, há em algumas edições questões referentes a religiões de matriz afro. Isso nos trás de alguma maneira mais uma contradição. O próprio pensamento fascista do governo antidemocrático de Getúlio influencia diretamente no destino da Frente Negra Brasileira e de seu veículo jornalístico.

O jornal da FNB foi usado principalmente, como um instrumento de propaganda do programa ideológico patrianovista. No artigo intitulado Basta de exploração!!! Arlindo Veiga dos Santos afirmava tal programa, trazendo informações de que maneira o regime nazista alemão devia ser transplantado para o Brasil:

Que nos importa que Hitler não queira, na sua terra, o sangue negro? Isso mostra unicamente que a Alemanha Nova se orgulha da sua raça. Nós também, nós Brasileiros, temos RAÇA. Não queremos saber de ariano. QUEREMOS O BRASILEIRO NEGRO E MESTIÇO que nunca traiu nem trairá a Nação. Nós somos contra a importação do sangue estrangeiro que vem somente atrapalhar a vida do Brasil, a unidade da nossa Pátria, da nossa raça da nossa Língua. Hitler afirma a raça alemã. Nós afirmamos a Raça Brasileira, sobretudo no seu elemento mais forte: O NEGRO BRASILEIRO.

 

Considero difícil a análise desse trecho escrito por Veigas, podemos ver claramente como a questão racial é o centro de seu pensamento, porém trazer um governo racista como exemplo a ser seguido e como solução para uma raça minoritária é no mínimo confuso. É possível encontrar também diversas correspondências no arquivo do DEOPS paulista, correspondências que ilustram a relação entre as lideranças frentenegrinas e as autoridades. Essa postura ideológica da Frente foi importante na questão da “Revolução Constitucionalista” que obteve total apoio dos líderes do partido, Arlindo, como já foi mostrado, gostava de regimes autoritários, via neles a solução para sua pátria. 

Em 1935 a democracia estava totalmente ameaçada, Vargas começara uma campanha de perseguição política aos grupos que discordassem de sua gestão, para o movimento Frente Negra Brasileira isso não representou uma ameaça já que a cúpula do partido já havia se manifestado favorável ao governo implantado em 1930. No aniversário de cinco anos da organização estiveram presentes importantes autoridades paulistas, as estaduais, religiosas e da grande imprensa. Essas informações sobre a Frente nos levam a uma reflexão interessante, se a postura da FNB fosse diferente, seria possível a existência da mesma? 

A perseguição aos partidos políticos comunistas e socialistas no Brasil prendeu, assassinou, torturou diversos militantes pelo país, em momentos diferentes. Se tivéssemos tido uma versão mais democrática da FNB com um discurso racial mais radical e sem concessões com os sistemas racistas vigentes (seja ele o monárquico ou republicano), teria ele sido aceito como partido político? Teria sido permitida a publicação d’A Voz da Raça por anos? 

É uma pergunta que não pode ser respondida já que a realidade foi que a FNB tinha uma clara simpatia pelos governos que hoje podem ser entendidos como percussores de obstáculos para a emancipação negra, como no caso de Getúlio Vargas que deixou como contribuição de seu governo o mito da democracia racial, por exemplo. Em novembro de 1937, iniciava-se a ditadura do Estado Novo, e a proibição de organizações políticas foi decretada. Sendo assim, a Frente Negra Brasileira passava a ser ilegal. Houve tentativa de sobrevivência na área cultural, porém em pouco tempo a atuação foi silenciada totalmente. Sendo assim podemos constatar que o próprio fascismo que influenciou a FNB foi o responsável pelo seu fim.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Trazer o pensamento fascista que influenciou a construção do partido negro brasileiro é parte da tentativa historiográfica de documentar a história dos negros do Brasil sem roubo de historicidade, a intenção do presente artigo não é deslegitimar a FNB, o periódico A Voz da Raça ou ArlindoVeigas mas fazer uma retrospectiva sobre esse importante veículo de luta racial que aconteceu no nosso país. Após anos de história de escravidão, onde qualquer tentativa de reunião política era proibida, a Frente pode ser entendida como uma conquista dos negros, já que por todo o seu tempo de existência foram diversas as vitórias antirracistas. Impediram campanhas higienistas racistas, empoderaram homens e mulheres negras para que estudassem e disputassem cargos com pessoas brancas, deixaram um arquivo importante sobre o pensamento de diversas pessoas negras brasileiras além de toda a contribuição cultural de seus grupos de música. Uma das contribuições mais interessantes é a discussão racial que foi feita nos tempos da FNB, apesar dos artigos com tom fascista, a questão da desigualdade racial, do fascismo dos brancos contra os negros não deixa em momento algum de ser citado, é dada a devida atenção aos problemas da raça.

 

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