Uma comissão de Geledés-Instituto da Mulher Negra embarca neste próximo final de semana à Genebra, na Suíça, para submeter o Relatório Sombra à 76ª Sessão da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (CAT) da ONU, que acontece na segunda-feira 17 de abril.
Pela primeira vez na ONU, uma organização de combate ao racismo e sexismo irá realizar esse recorte específico na referida convenção para aportar dados, identificar violações sistemáticas e casos emblemáticos de tortura contra a população negra no Brasil.
Geledés urge que o comitê da ONU demande do Estado brasileiro o efetivo cumprimento do CAT como um dispositivo constitucional, banindo por vez o projeto de extermínio da população negra. Nesse sentido, Geledés reforçará a ideia perante a ONU de que no Brasil existe um projeto de extermínio da população negra brasileira tendo a tortura como um de seus instrumentos.
CASOS DE TORTURA
Casos de tortura contra a população negra no Brasil serão apontados neste relatório. Um caso emblemático é o de Luana Barbosa, lésbica negra não feminizada, mãe e periférica. Luana foi morta aos 34 anos, em 2016, por lesões cerebrais provocadas por três policiais militares que a espancaram na esquina de sua casa, no bairro Jardim Paiva II, zona Norte de Ribeirão Preto. Os policiais alegaram que ela “exigiu morrer dizendo que era lésbica, que era mulher”. O caso foi acompanhado diretamente pela equipe de advogados de Geledés.
“Estamos chegando à ONU com documentação farta sobre casos evidentes de tortura contra a população negra no Brasil. Casos gravíssimos já foram denunciados na ONU por Geledés, como o assassinato de Luana Barbosa dos Reis, mulher negra, periférica, lésbica e mãe, que faleceu em consequência de isquemia cerebral dias depois de ser brutalmente espancada por policiais militares em Ribeirão Preto. Há diversas situações emblemáticas, como o de pessoas negras resgatadas em situações análogas à escravidão”, diz Maria Sylvia de Oliveira, advogada e coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça.
Constam ainda da documentação provida por Geledés o caso dos 207 homens que foram recrutados na Bahia pela empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA, que prestava serviços para as vinícolas Aurora, Cooperativos Garibaldi e Salton, no Rio Grande Sul.
Esses trabalhadores, que relataram episódios de violência, como surras com cabo de vassoura, mordidas, choques elétricos e ataques com spray de pimenta, segundo dados do Ministério do Trabalho e do Emprego, são negros. O ministério é bastante específico em relação a isso: 56% destes trabalhadores têm entre 18 e 29 anos, 95% são negros, 93% são nascidos no Estado da Bahia, e 61% não concluíram o ensino fundamental ou são analfabetos.
Embora o Brasil possua leis e mecanismos legais dedicados à proteção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes, políticas racistas permeiam as ações e omissões do Estado também em relação ao trabalho infantil, outra grave violação que recai desproporcionalmente sobre a população negra. Neste sentido, o Relatório Sombra destaca dados de 2019 que apontam 1,8 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, sendo que a grande maioria, 66,1%, é de negros.
No relatório, Geledés também irá apresentar o caso revelado na mídia em agosto de 2022 de William de Jesus Conceição, de 24 anos, um dos dois rapazes que acusam o dono e o gerente de uma loja de Salvador (BA) de tortura e de marcar nas mãos deles com ferro quente o número 171, em referência ao artigo do Código Penal que trata do crime de estelionato. O rapaz negou a suposta acusação do ex-patrão de que ele teria furtado R$ 30 de loja.
O Relatório Sombra a ser entregue por Geledés na ONU, também inclui, de forma transversal, análises interseccionais (considerando gênero, raça e classe) da realidade brasileira e contempla, de forma complementar, os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no Programa de Ação de Durban, aprovado na III Conferência Mundial Contra o Racismo.
Porta-voz:
Para falar sobre os casos de torturaPorta-voz de Geledés: Maria Sylvia Aparecida de Oliveira – Advogada e coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça