A inovação política que emerge nas periferias

Maria Alice Setubal, em evento promovido pela Folha em 2016 - Bruno Santos - 22.nov.16:Folhapress

Resultados do 1º turno reforçam nova configuração

no Folha de São Paulo

Maria Alice Setubal, em evento promovido pela Folha em 2016 – Bruno Santos :Folhapress

A sociedade brasileira é desigual, e nos grandes centros urbanos é possível enxergá-la a olho nu; basta ver o descompasso entre os centros urbanos e as periferias, que revelam uma realidade fragmentada. Mudar as narrativas e abrir espaço para a escuta e o diálogo são os primeiros passos para enfrentar os desafios dessas distorções. Nesse sentido, cidadãos, empresas e organizações da sociedade civil devem unir-se na busca por soluções conjuntas. Essa é a nossa proposta como autoras deste artigo.

Esse foi também o percurso da pesquisa Emergência Política Periferias, realizada pelo Instituto Update, com apoio das fundações Tide Setubal e Ford, em São Paulo, Recife, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Cinco pesquisadores que atuam a partir das periferias percorreram essas cidades conhecendo histórias de pessoas e territórios que estão fazendo a política do dia a dia, para além dos partidos.

Responsáveis por produzir e propor a inovação, essas pessoas, nomeadas na pesquisa como fazedores, estão nos territórios periféricos, mas também se deslocam, produzem soluções e inovações a partir da circulação, do intercâmbio com outras regiões e do acesso ao ensino superior, impulsionado por políticas públicas promovidas no campo da educação.

Os fazedores ensaiam uma sociedade, colocando em prática soluções que são construídas de modo a atingir e acessar os direitos constitucionais, muitas vezes negados pelo Estado. São laboratórios que criam, transformam e ressignificam o direito à existência, à economia e ao bem viver, à memória e à cultura, à participação política e à ocupação de poder.

Emergem nas favelas iniciativas que resgatam raízes, valorizam identidades, pautam debates e articulam políticas públicas. Combatem transfobia, machismo, racismo e atuam pela inclusão e participação de pessoas, excluídas da política e tornadas invisíveis pela sociedade.

A maioria das iniciativas identificadas tem na participação de mulheres negras um traço em comum. Ao fazer política, elas movem todas as estruturas e, ao valorizá-las, avançamos e aprofundamos a democracia. A pesquisa revelou que a inovação política é mulher, negra e periférica. Marielle simboliza e traduz essa experiência.

Os resultados do primeiro turno reforçam essa ocupação política com a eleição de uma mulher indígena na Câmara, duas negras para o Congresso Nacional e três assessoras da vereadora Marielle Franco, no Rio. Há exemplos também nas assembleias mineira e paulista.

Todos esses dados reforçam que a periferia está ocupando cada vez mais o seu direito de legislar, a partir da visão e da experiência de quem pertence a esses territórios.

Existem inúmeros desafios para os fazedores. São necessários apoio e investimento nessas inovações políticas, estimulando e gerando conexões, fortalecendo os territórios em suas potências, com recursos para o seu desenvolvimento e diálogo para a criação de políticas públicas pautadas pelas periferias.

Essas constatações chegam em meio à corrida eleitoral, na qual muito se fala de riscos à democracia e de desconfiança da população com a política tradicional.

É preciso deslocar-se e promover deslocamentos. Construir pontes, por meio do encontro, mesmo que as fronteiras existam, atravessando-as com respeito, diversidade e transparência.

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