Kwame Anthony Appiah acredita que valores como os direitos humanos não podem ser relativizados

FONTEDo Gaúchazh
Kwame Anthony Appiah (Foto: Greg Salibian/ Fronteiras do pensamento)

Autor de dezenas de livros, entre a filosofia e a ficção, Kwame Anthony Appiah é um dos grandes filósofos morais do nosso tempo. Este professor da Universidade de Princeton tem trazido importantes contribuições para a reflexão de conceitos que envolvem raça, política, filosofia e literatura. Em especial, dois de seus livros chamam a atenção dos intelectuais brasileiros, Na Casa de Meu Pai: a África na Filosofia da Cultura e O Código de Honra: Como Ocorrem as Revoluções Morais.

O primeiro recebeu importantes prêmios, o James Russel, o Herskovits e o Annisfiels-Wolf Book, e entende-se por quê. É uma obra fundamental para a compreensão da história e do funcionamento da sociedade africana, ao aliar a abordagem teórica aos problemas concretos de identidades raciais, étnicas, africanas, nacionais e pan-africanas. Appiah questiona a ideia de raças humanas, ao demonstrar o empobrecimento da diversidade cultural do continente africano com a experiência de construção de uma identidade. Para ele, os africanos só resolverão seus problemas quando assumirem que seus problemas são humanos e não africanos, estereotipados, diferentes dos outros povos, e fala de dentro, ou seja, com a autoridade de quem é filho de dois mundos e os carrega consigo, de pai africano e mãe inglesa, de quem nasceu na Inglaterra, foi criado em Gana, e está radicado há pelo menos três décadas nos EUA.

Em Na Casa de Meu Pai, ele trata de um dos problemas fulcrais da contemporaneidade, na medida em que o Ocidente olha para a África como um conjunto de crises e a coloca à margem do mundo, quando, segundo Appiah, deveria prevalecer o respeito às diferenças culturais, não porque as culturas sejam matéria de interesse em si, mas porque “as pessoas importam e a cultura importa para as pessoas”. Para ele, temos obrigações para com o outro maiores do que apenas a partilha de cidadania, e é preciso, portanto, que conheçamos e respeitemos as práticas e as crenças do outro. Por este viés, Anthony Appiah tem criticado as teorias do Novo Africanismo e, em contrapartida, tem sido criticado por isso.

Num ensaio intitulado Europe Upside Down: Fallacies of the New Afrocentrism (“Europa às Avessas: Falácias do Novo Afrocentrismo”, em tradução livre), o filósofo argumenta que o Afrocentrismo atual é tão marcado pelo pensamento europeu quanto os quadros do século 19, em particular como no uso de uma imagem de espelho que reflete as construções eurocêntricas de raça. A literatura africana tem importância no processo, na medida em que é marcada por um cunho fortemente nacional, talvez instada pelo desejo de fortalecer a identidade e se proteger das influências europeias. Por outro lado, se é na literatura que está a história africana, ao trazer consigo o problema da construção de uma identidade, ela termina reduzindo e simplificando a diversidade cultural africana, quando a arte é e deve ser também um mecanismo de troca entre sociedades.

Se, do ponto de vista da moderna filosofia e da religião africanas, o autor defende uma visão de modernização da África, do ponto de vista político compõe a possibilidade de resistência à tirania das elites dos novos Estados, pós-independência. Para ele, à perpetuação do conceito de diferença africana segue-se a perpetuação daquela realidade, inviabilizando o diálogo intercultural cosmopolita em que os homens são tratados como cidadãos de um mundo compartilhado e, portanto, dignos de respeito mútuo. A instauração da ordem, do respeito entre os cidadãos, o desenvolvimento das nações e o seu direito legítimo de representação dependem da identificação da sociedade africana em sua função de construir a nação. Os conceitos subliminares a essa construção perpassam toda a sua obra.

Na verdade, o cerne das reflexões de Appiah é o homem e a forma como se relaciona com comportamentos fundamentais para a sua própria humanidade, como o respeito, a honra, a ética, a moral. E, aqui, já estou falando de seu livro O Código de Honra: Como ocorrem as Revoluções Morais. Anthony Appiah parte da questão: “o que podemos aprender sobre a moral, examinando as revoluções morais?” e justifica: “Fiz essa pergunta porque historiadores e filósofos têm descoberto muito sobre a ciência com o estudo cuidadoso das revoluções científicas.” E, ao mesmo tempo em que reconhece que o saber científico gerou uma explosão tecnológica, percebe que “o espírito que move a ciência não é transformar o mundo, e sim entendê-lo.” Mas a moral, e ele vem na esteira de Kant, é prática, está naquilo o que o homem faz, portanto uma revolução moral inclui uma transformação no comportamento moral e, ao seu término, assim como numa revolução científica, “as coisas parecem novas”. Esse é o mote para debruçar-se sobre as revoluções morais, em que o conceito de honra foi fundamental para por fim a práticas abomináveis, como o duelo na Inglaterra; como o enfaixamento dos pés das meninas chinesas do séc. 19, para que não crescessem e ficassem “delicados como uma flor de lótus”, chegando a medir 7,5 cm numa mulher adulta; como o fim da escravidão no Atlântico Norte ou como as guerras morais contra as mulheres. Em todas as revoluções morais, afirma Appiah, a honra ocupa, tanto quanto a identidade, um papel central. “Nega-se aos escravos, às mulheres de pés amarrados, aos duelistas mortos aquilo que lhes cabe.” Eles são submetidos a tradições locais em que o crime de honra é comum e, portanto, só pode ser erradicado quando essas mesmas tradições entram em conflito com a honra, aquela que lhes é negada e lhes cabe. Para o escritor de Gana, “ter honra significa ter direito ao respeito”. A própria moral, uma dimensão importante da ética, exige o reconhecimento de que todo o ser humano tem o direito fundamental ao respeito que se chama dignidade. “A dignidade também é uma forma de honra, e seu código faz parte da moral.”

Na análise que faz das revoluções morais, tanto quanto naquela em que examina a África na filosofia da cultura, Kwame Anthony Appiah aponta um caminho para nosso tempo, esse tempo em que ” a “honra pode ter saído de moda na teoria moral” e deve ter sido “exilada para alguma Santa Helena da filosofia, ficando a contemplar suas dragonas murchas e sua espada outrora reluzente a se corroer no ar salino”. Para o filósofo, o caminho para este tempo já definido como o tempo em que os nossos absolutos religiosos, éticos e estéticos deixaram de ser coletivos para ser individuais, é a honra, a mesma honra que, quando afastada de seus preconceitos puritanos, é fundamental para aqueles que atuam na linha de frente social e política. Para ele, nada é tão eficaz em transformar apelos morais particulares em normas públicas.

A honra, diz o filósofo, “pode nos ajudar a fazer um mundo melhor.” Isso, porque a honra é um mecanismo movido pelo diálogo entre as nossas concepções e a consideração do outro, o diálogo que, enfim, pode impelir o homem a assumir, com seriedade, suas responsabilidades no mundo compartilhado. Este é o caminho apontado por Kwame Anthony Appiah: é a preocupação com o respeito, potente elo entre o viver bem e o nosso lugar no mundo social, o que significa também, “e não por acaso, viver uma vida de honra”.

Kwame Anthony Appiah

– O filósofo falará no próximo dia 12, às 19h30min, no Salão de Atos da UFRGS (Avenida Paulo Gama, 110, Porto Alegre). As debatedoras serão a professora Joana Bosak de Figueiredo e a jornalista Cláudia Laitano. Informações no canal www.fronteiras.com ou pelo fone (51) 3019.2326.

– O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado pela Braskem e tem o patrocínio de Unimed Porto Alegre, Weinmann Laboratório, Santander, CPFL Energia, Natura e Gerdau. Promoção Grupo RBS. O projeto conta com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul como universidade parceira e parceria cultural de Unisinos, Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Governo do Estado do Rio Grande do Sul

 

-+=
Sair da versão mobile