Lupita é a mais bonita, mas é negra

Quando publiquei meu texto sobre Nayara Justino, a nova Globeleza, recebi uma enxurrada de comentários aqui e no Facebook, onde divulguei o artigo, muitos elegantes, mesmo que não concordantes, outros bem agressivos e vários em qualquer noção do mundo real. Enfim, algumas falsas amizades desfeitas depois, estou remediado contra textos decorados pra alegar que sou paranóico ou que vejo racismo em tudo – coisa que todo militante negro e social ouve mais vezes do que ‘bom dia’. Exageros à parte, eu, que tinha prometido não falar mais sobre Globeleza, volto a um assunto que ronda a questão, mas é um pouco mais derivativa: A beleza da mulher negra e o pouco valor que isso recebe na sociedade. Como pode sermos maioria e ainda assim não estamparmos mais capas de revistas e programas de TV? Muitos autores de novelas são gays, o público gay sempre aparece em novelas, agora nenhum autor de novela é negro, ou seja… Elencos de 90 pessoas e 5 negros espalhados pelas cozinhas, ou aparecendo pra ser discriminados.

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É assim, a mulher negra cresce assistindo a inúmeros comerciais de cosméticos para brancos, os produtos de cabelo prometem acabar com volume na cabeleira, coisa que é o grande charme do cabelo crespo. Aí, dado o histórico do racismo no país, meninas negras crescem ouvindo piadas (como a que Faustão fez com a dançarina Arielle “cabelo de vassoura de bruxa” Macedo), elas são alvos dos meninos que jogam seus nomes para outros como quem oferece um produto sem valor que ninguém quereria, e isso vai minando a auto-estima da menina negra, ela não se vê bonita, mesmo que a família esteja lá como base forte de consciência da negritude. Se a família entrar na onda de caçoar, aí fedeu-se tudo, a garota vai passar a vida amargurada por ter esse ‘defeito de cor’. Mas a questão que me traz a esse blog e não ao www.garciarama.blogspot.com, onde teria mais a ver do que aqui, já que o papo não é samba, é por ser um derivativo e vou aproveitá-lo para fazer uma espécie de resposta oficial aos comentários do famoso texto globeleza.

Comentário ‘sem maldade’ sobre a vitória de Leila Lopes no concurso de Miss.

Pois bem, muitos argumentos que ouvi quando questionei os critérios para dizer que Nayara era feia era que seus olhos não eram harmoniosos, seios pequenos e outras coisas. Eu defendo que se procure a beleza por si e não usando referenciais, pois, como disse acima, a sociedade não valoriza o negro por sua negritude, o que me faz puxar mais um nome para a conversa: Lupita N’yong’o, a atriz, eleita pela revista People a mulher mais bonita do mundo em 2014. Lupita é linda e é bem diferente de Nayara. São belezas diferentes, mas as duas têm uma coisa em comum: A negação de valor de suas belezas por parte da sociedade. Você pode dizer que Lupita é mais bonita ou não, mas o que ouvi quando defendi Nayara, as pessoas continuaram falando sobre Lupita. E as duas são bem diferentes… aliás, diferentes também de Leila Lopes, Miss Angola/Universo 2011e até aquela Miss França nitidamente mestiça. Ponto em comum? Todas receberam críticas e comentários preconceituosos do tipo ‘deram o prêmio pra ser politicamente corretos, por pena, etc…’.

Lupita Nyong’o, vencedora do Oscar por 12 Anos de Escravidão.

Dá pra entender agora que a questão nunca foi definir o que é beleza, muito pelo contrário? O que me levou a falar da globeleza naquela ocasião foi a piada de mau gosto em compará-la com Zé Pequeno, o que muitos acharam natural, como fariam com suas mães, amigas e demais parentes, mas era só um caso, algumas pessoas disseram que ela merecia por ter aceitado se expor, era propriedade de domínio público, e tals… Mas veja o que falaram sobre Lupita sendo escolhida como a mais bonita, são os mesmos comentários. Não teve comparação com vilões famosos de nossa história e ficção, não teve escolha pública contestada através de um concurso em um programa de grande visibilidade e não era um motivo festivo de carnaval. Aqui estamos falando de uma atriz vencedora do Oscar, uma queridinha do mundo fashion, bem nascida, com trabalhos sociais e artísticos de dar inveja a muito coroa, tendo ela apenas 31 anos. Palavra-chave aqui? RACISMO. É o famoso caso “não quero parecer racista, mas…” e sempre vem alguma baboseira racista depois dessa frase, já reparou?

 

 

Flora Coquerel, Miss França 2013, alvo de comentários como ‘a verdadeira representação da França é branca’.

Percebem a questão? O negro não pode conseguir nada que desqualificam como ‘cotas’ (detesto esse uso errôneo e ignorante de algo tão afirmativo), “peninha” ou “politicamente correto”… É o racista que acha que dependemos do assistencialismo, mas não quer reconhecer seus privilégios. Por exemplo, quando dada a chance, um negro chega a presidente do STF, um negro vira o número 1 da Fórmula 1, vira a apresentadora/celebridade mais influente do mundo, vira até presidente, mas sempre vão achar que alguém facilitou, percebe a vontade de se sentir superior até quando não faz nada, mas se incomoda com quem faz? Não é à toa que mamãe sagatiba me falava na infância que tínhamos que mostrar 150%, 50 a mais só porque não nos valorizaríamos por sermos negros. E tá aí, só nega o racismo quem tem a dever.

Então é isso, as críticas não foram para Nayara por ser ela e qualquer outra poderia correr esse risco, ela foi criticada porque é negra com traços negros no carnaval. Mas mesmo que não fosse lá, se fosse atriz e ganhasse um prêmio, ia ter a galera do veneno pra desvalorizá-la também… porque é negra. Racismo rima com cinismo e as imagens mostram que onde chega um negro ou uma negra com destaque, vai ter gente pra dizer que não merecia. Mas, pra eles, só fazemos assim:

Fonte: Raiz do samba 

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