A recém-lançada plataforma Mapa Brasil Afrotech pretende reunir e dar mais visibilidade a projetos e iniciativas de empreendedores negros no país. O projeto é uma realização do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied), da Unicamp, sob coordenação do analista de sistemas Odair Marques da Silva e do pesquisador João Vilhete Viegas d’Abreu.
Por Inácio de Paula, Do ComCiência
“A ideia é oportunizar um ambiente digital em que os afrodescendentes possam inscrever suas iniciativas e, a partir daí, fortalecer laços, redes e vínculos”, contextualiza Odair Marques. Além da visibilidade dos projetos cadastrados, o recurso pretende também fomentar relacionamentos em seminários e trocas de experiências. Para estar georreferenciado na plataforma, o interessado precisa entrar no site Mapa Brasil Afrotech e preencher o formulário.
“Fazemos um breve balizamento interno das informações e, em seguida, marcamos o interessado no Mapa. Para participar é muito simples. O critério é que seja afrodescendente e que esteja relacionado à tecnologia”, esclarece Odair. Ele informa ainda que, nessa primeira etapa, os analistas do sistema entram em contato com o solicitante para saber mais sobre o trabalho desenvolvido.
O Mapa Afrotech já possui mais de dez iniciativas cadastradas, como a Vale do Dendê, de Salvador, o Laboratório de Pesquisas em Educação Química e Inclusão, da Universidade Federal de Goiás, e o aplicativo Alfabantu, de São Paulo. Outro que já consta na plataforma é o InfoPreta, um projeto localizado em Pinheiros, em São Paulo. “São mulheres negras que trabalham com tecnologias, com manutenção de computadores. É uma iniciativa própria, sem relação com universidades”, diz Odair, esclarecendo que os cadastros não precisam necessariamente estarem ligados a instituições formais de ensino e de pesquisa.
Odair explica que o mapeamento do Afrotech funciona não apenas como coletor ou canalizador de dados, mas constrói também uma rede de relacionamentos, seja de cunho mercadológico, com ações mais comerciais, seja de interesses acadêmicos, de base teórica. E, como sugere João Vilhete, o modelo pode funcionar também para outros tipos de conteúdo.
O Afrotech foi feito a partir de um convênio entre a Unicamp e a Faculdade Zumbi dos Palmares.
Mercado de trabalho e empreendedorismo
Segundo o pesquisador João d’Abreu, muitas vezes os negros seguem o caminho do empreendedorismo devido à falta de oportunidades no mercado de trabalho. “É um outro posicionamento dessa comunidade, que enxerga a discrepância e a desigualdade e pensa em como superar esse processo”, reforça Odair.
Para Jefferson Mariano, analista socioeconômico do IBGE, apesar de nos últimos anos muitos grupos afroempreendedores emergirem – e isso ter uma enorme importância para apontar alternativas para a população negra – esse movimento precisa ser observado em sua complexidade.
Dados do segundo trimestre deste ano mostram que a taxa de desocupação entre a população branca era de 9,5%, contra 14,5% entre os pretos e 14% entre os pardos. “Grande parcela dessa população ainda está inserida como empreendedor por necessidade, em razão dos obstáculos no mercado de trabalho, associados a questão racial”, alerta o analista. Em ocupações como ambulante de alimentação, a presença de trabalhadores negros chega a 68%. Em comércio de sucatas e na construção civil as taxas são de 64%.
Se considerada a divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) relativa aos rendimentos, em 2017, enquanto o rendimento médio mensal das pessoas brancas correspondia a R$ 2.814 o das pessoas negras era de R$ 1.588. A publicação destaca que brancos têm rendimentos 29% superiores à média nacional e os negros 27% inferiores a essa média.
Outro reflexo desse quadro diz respeito a estrutura ocupacional. Ainda que os negros correspondam a 56% do total do país, praticamente inexistem em cargos associados a processos decisórios.
Diante desse panorama, destacam-se as iniciativas que buscam reunir e fortalecer projetos de pessoas negras, como o núcleo de criatividade Pretahub, que realiza há dezoito anos um trabalho de mapeamento de empreendedorismo negro no Brasil, e o Movimento Black Money.
O Black Money funciona também como auxílio financeiro e disponibiliza a maquininha de cartão D’BlackBank, ou, simplesmente, Pretinha. Trata-se de uma fintech criada pela executiva Nina Silva para conectar consumidores a empreendedores negros. “O nosso foco é fomentar o conhecimento sobre empreendedorismo, dinamizar a ideia de tecnologia, e a apropriação, por parte da comunidade, de coisas que são nossas”, aponta o sócio Alan Soares.
Encontro InovaAfro
Com o objetivo da promoção do afroempreendedorismo, a Unicamp realizou o Encontro InovaAfro. O evento tratou da representatividade e liderança no mercado empresarial e no meio estudantil. De acordo com o censo do IBGE, a população negra de Campinas é de quase 350 mil pessoas, representando 32% dos residentes.
A ação foi organizada por meio de parceria entre a agência de inovação Inova Unicamp, a Faculdade Zumbi dos Palmares e o Coletivo Conexão Preta da Unicamp, do campus de Limeira. Para o reitor Marcelo Knobel, tais parcerias são fundamentais, seja pelo processo de inclusão de mais estudantes negros na universidade, seja pela possibilidade de inovação e empreendedorismo para essa parcela da população.
“Temos uma parceria importante com uma faculdade, a Zumbi dos Palmares, essencialmente dedicada para essa população, e queremos discutir como é possível incluir mais empreendedores negros no ecossistema do Estado de São Paulo”, finaliza o reitor.