Marta, por Sueli Carneiro

(Foto: Marcus Steinmayer)

A derrota de Marta Suplicy à reeleição para a Prefeitura de São Paulo produziu um sem número de explicações e análises capazes de satisfazer a todos os gostos. Uns preferiram destacar o preconceito contra a mulher e a suposta ou real arrogância e voluntarismo da prefeita; os mais bizarros tributaram a derrota a um suposto processo de vitimização de seu ex-marido, que teria sido mobilizador da solidariedade machista de homens e mulheres paulistanos contra a prefeita; os taxistas de São Paulo não têm dúvidas: foram as taxas, que renderam à prefeita a alcunha popularizada entre os paulistanos de Martaxa. Outros mencionaram a intransigência da prefeita por insistir em uma ‘‘chapa pura” em detrimento de alianças do interesse do governo federal, à colagem de sua imagem à do ex-prefeito Paulo Maluf, aos descontentamentos da população com o governo federal e ao medo de consolidação da hegemonia petista. Os mais contundentes apontaram autoritarismo, centralização, aparelhamento da máquina, fisiologismo, ausência de diálogo interno e com a sociedade. além do não-rompimento com as práticas de gestão malufistas. Há, portanto, uma somatória e articulação perversa de diferentes fatores, em que este ou aquele é realçado, a depender do gosto ou do interesse do freguês.

Por Sueli Carneiro

Como também sou freguês, quero acentuar um aspecto que, embora pouco mencionado, esteve subjacente também em algumas falas: o lugar dos pobres nas políticas sociais implementadas pela gestão de Marta Suplicy, nos discursos da campanha e nas avaliações da derrota da prefeita. Inegavelmente uma das marcas mais fortes de sua administração foi a focalização das políticas sociais nos extratos sociais mais desamparados e a mudança de paradigma sobre a qualidade de políticas que devem ser ofertadas a esses segmentos sociais: cabe ao poder público oferecer serviços da melhor qualidade possível aos que menos têm, no lugar da tradicional visão de que, em sendo para pobre, qualquer coisa serve. O maior emblema dessa mudança empreendida pela prefeita são os CEUs em que, pela primeira vez na história da cidade de São Paulo, parcelas da população de baixa renda puderam desfrutar de equipamentos sociais compatíveis com aqueles usufruídos pelas classes médias e altas, com acesso para crianças e jovens a bibliotecas, quadras de esportes, cinema, teatros, piscinas etc., estendidas, muitas dessas atividades, às famílias e a comunidade local.

No último debate entre os candidatos, a prefeita aludiu à sua condição social privilegiada e à sensibilidade que teve de desenvolver para fazer a sua opção preferencial pelos mais pobres. Insistiu ser um ato de justiça a sua recondução à Prefeitura de São Paulo pela prioridade a eles dada. Apesar da grande votação da prefeita nas áreas mais carentes da cidade, diante da derrota um militante petista da periferia da cidade de São Paulo não resistiu e cravou: ‘‘Veja que povo mais mal-agradecido”.

De duas uma: ou não havia pobres suficientes em São Paulo para assegurar a reeleição da prefeita, ou há em demasia, de tal sorte que os programas a eles destinados não os alcançaram na proporção requerida para alavancar a reeleição, gerando ressentimento e represália, na forma de ‘‘não voto em Marta” dos que ‘‘ficaram de fora” das políticas implementadas. Ou talvez, por mérito mesmo da pregação histórica do PT em favor da ampliação dos direitos de cidadania, os pobres tornaram-se mais exigentes, conscientizando-se de que, o que era antes ‘‘graça recebida” do (a) governante de plantão, resume-se a um direito de cidadania, que é dever do poder público assegurar . Seja lá qual for a sinalização dos eleitores paulistas para o prefeito eleito, uma ficou clara: mantenha-se e aperfeiçoe-se o que há de bom na administração anterior e corrija-se o que ficou deficitário, por exemplo, o sistema de saúde da cidade de São Paulo.

A correta focalização das políticas sociais da prefeita nos extratos sociais mais desamparados parece ter criado nela e em sua equipe a certeza da justa retribuição de seus beneficiários e a conquista da solidariedade e aprovação das classes mais abastadas na forma de reeleição. O acerto das prioridades de sua gestão não constituiu, no entanto, um cheque em branco capaz de anular ou perdoar quaisquer outros desacertos ou desvios de princípios programáticos. Nesse sentido Marta Suplicy foi injustiçada, pois pagou tanto a parte que lhe cabe nesse latifúndio quanto a fatura adicional decorrente das contradições em que se acham hoje enredados seu partido, seus dirigentes e gestores em nível nacional.

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