MBIRACLES: A difusão da comovisão bantu no Brasil através da música de MBIRA

A MBIRA foi o primeiro lamelofone (instrumento com teclas de metal e um suporte de madeira) a surgir na África – mais especificamente, ao norte do Zimbábue, às margens do rio Zambeze.
Por Luiza Nascimento para o Portal Geledés 
 
Desde então, ela tem sido utilizada pela comunidade shona (grupo etnolinguístico prevalecente no Zimbábue) como veículo de comunicação com os ancestrais em rituais chamados de Bira. Daí o nome Mbira dzaVadzimu – que significa “Mbira dos Ancestrais”. É através da execução de temas tradicionais (que remontam a uma linguagem melódica imemorial) que os shonas atraem os espíritos de seus antepassados para a dimensão dos vivos, onde o tempo sagrado é, então, instaurado.
 
Instrumento nacional
 
O grande símbolo do Zimbábue, portanto, não é o ancião que governa o país há 37 anos, como nos faz crer o noticiário internacional acerca da África, ou a riquíssima fauna sob a mira de caçadores inescrupulosos; mas, antes, a música tradicional. E, mais especificamente, a música de mbira, que traduz essa tradição. A mbira é o baluarte cultural dos shonas – o “repositório espiritual” –, e designa não somente um instrumento, mas, sobretudo, um povo.
 
É possível encontrar fabricantes de mbira, Gwenyambiras (tocadores de mbira) ou, simplesmente, ouvir a música de mbira em praticamente todas as localidades do Zimbábue. A mbira nyunga-nyunga (de 15 teclas) é item obrigatório do material escolar, sendo empregada no ensino da música (ou coadjuvante a outras disciplinas) na maioria das instituições do país. A Chimurenga, guerra revolucionária que libertou a nação do jugo inglês, foi, por sua vez, uma contenda embalada pelas sonoridades ancestrais da mbira – que “dizia” mais ao povo, incitando-o à luta, do que qualquer palavra que pudesse ser articulada. Nesse bojo, grandes nomes da música do Zimbábue vieram a lume, a exemplo de ícones populares como Thomas Mapfumo e Chiwoniso Maraire, ou de figuras mais tradicionais, como Ephat Mujuru e a trupe do Mbira Dzenharira.
 
A Mbira e a África Bantu
 
Por mais de 300 anos, africanos de origem bantu chegaram aos portos brasileiros, constituindo-se no maior contingente de negros a entrar no país. Apesar da invisibilidade que desejou se dar a essa influência grandiosa, as marcas do legado bantu, como afirma o historiador Nei Lopes, estão em nossa música, língua, instrumentos, estratégias de resistência (quilombos), danças, técnicas de trabalho, e, claro, no fenótipo de nossa gente.
 
Sendo um elemento autêntico e paradigmático de uma cultura riquíssima, portanto, a mbira, segundo o músico e fabricante de instrumentos africanos Fabio Mukanya Simões, é “um cordão umbilical do tempo”. Uma maneira pela qual podemos reaver de forma íntegra esse legado ancestral que nos foi, outrora, drasticamente subtraído, e que nos conecta à “mãe” – palavra que pode também ser entendida como “terra”. Afinal de contas, o menino africano se torna homem quando parte do regaço da mãe biológica para os braços da mãe-natureza. E a música, rebento desse ambiente natural, é sua maior forma de expressão. 
 
A proposta do projeto Mbiracles, assim, é a vivência da música tradicional africana sob o prisma dessa mãe-natureza, dessa terra ancestral. É a reflexão prática de “quem somos nós” a partir de artefatos que enredam uma cultura milenar, telúrica, e que, como as pirâmides do Egito, ou, mais apropriadamente, as ruínas do Grande Zimbábue (a maior estrutura pré-colonial da África Subsaariana), nos indicam os caminhos que traçaram os homens que nos antecederam, as músicas que cantaram, os temas que dedilharam. Sendeiros sonoros que perfazem, com efeito, a linguagem-raiz desse homem. Uma linguagem que nos falta – e que, por isso, nos cabe.
 
Como sugere o símbolo da Sankofa, o retorno às origens é necessário para que possamos seguir adiante. São nossas raízes, nossos pés, fundamentos, pilares. “Para destruir um povo, basta destruir sua cultura”, afirmou Frantz Fanon. Daí que, para sermos um povo, e tudo que isso comporta, precisamos reconstruir nossos laços com a África. Ativamente.
 
Mbiracles é um projeto que pretende estimular o conhecimento da cultura africana a partir da prática da música de mbira e, nesse esteio, das narrativas que ela compreende por estar inserida no cerne das relações inerentes a um povo da África Bantu.
 
Acesse o site, conheça mais e participe do projeto: www.mbiracles.com
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