Negra, lésbica, filha de mãe loira, com sobrenome alemão, MC Luana Hansen sofreu violência, traficou drogas, fumou crack. Hoje vive da música, é vizinha da mãe e faz sucesso no hip hop
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“Estou há 14 anos vivendo do hip hop”. É com um sorriso no rosto que MC Luana Hansen, 34, diz essa frase. Entre uma música e outra, já precisou fazer “bicos” para se manter. “Periferia é o primeiro lugar onde falta tudo”, diz a moradora da Vila Portugal, onde sua casa divide um terreno com várias outras casas simples. “Eu moro aqui na quebrada”, diz ela.
Apesar das dificuldades, a rapper conseguiu sua inserção na música, já gravou um CD e está com o segundo a caminho. Em 2005, ganhou o Prêmio Hutúz, reconhecimento aos melhores do hip hop brasileiro criado pela Central Única das Favelas (Cufa).
Os primeiros versos foram parar no papel como forma de se entender e de compreender questões de sexualidade: “Era o lugar onde eu podia ser eu mesma”. Queen Latifah e Missy Elliot são inspirações que vieram do exterior. No Brasil, Dina Di e Negra Gizza foram as grandes inspiradoras.
O primeiro CD tem o nome da música mais antiga de Luana: “Marginal Imperatriz”, que fala sobre sua própria história. “Por eu ser negra, mulher, por viver na periferia, sempre estive à margem da sociedade. E ao mesmo tempo sempre fui rainha daquilo que fiz. Quero dar a entender que as mulheres marginalizadas são também rainhas”.
Assuntos diversos, desde a Copa do Mundo no Brasil à legalização do aborto, são contemplados no primeiro álbum. Várias das músicas são dedicadas às mulheres, como “Ventre livre de fato” (sobre o aborto) e “Flor de Mulher”. “Apocalipse” traz casos de violência – que ficaram conhecidos ou não – praticados contra mulheres. “Para mim isso é o apocalipse, é o que é o fim dos tempos”.
O CD tem também músicas como “Diamante chocolate”, sobre a festa de hip hop Chocolate, na qual Luana sempre quis cantar. “Nunca pude porque sou lésbica”, conta. Em tom bem humorado, “Sapatão, adeus” conta o término de um relacionamento. “É o primeiro rap que uma lésbica faz para outra mulher dizendo que acabou”, diz.
Hoje são mais de cinquenta músicas e o segundo CD está a caminho, mas sem pressa. “Dessa vez será feito com mais paciência, porque sei que as coisas deram certo no primeiro”. O álbum promete reafirmar o caráter feminista que já estava presente no primeiro, com músicas como “Marcha das mulheres negras”.
Aos 15 anos, Luana contou à mãe que é lésbica. “Quinze caras me bateram, nunca apanhei tanto na minha vida. Jogaram ovo na janela da casa. Foi quando eu percebi que não era fácil ser lésbica assumida”, conta.
A mãe tentou interná-la, dizendo que ela tinha “problemas”. “As pessoas tratavam isso como se fosse doença”, diz. Luana foi enviada para passar um tempo em Portugal, mas voltou atendendo aos apelos da namorada. Depois foi para Recife, onde conheceu outras mulheres.
“Eu passei uma adolescência muito conturbada, me culpando muitas vezes por gostar de mulher. Me achava um lixo de pessoa porque não conseguia gostar de homem de jeito nenhum”, conta.
Além da aceitação de sua sexualidade, havia outra: a de ser negra. “Minha mãe é loira, minha família é branca e meu nome é alemão. Sempre me achei feia. Minha mãe era loira de olho verde, era o padrão de beleza da TV. Ficava tentando ser igual a ela. Fui me assumir enquanto negra quando adulta já”. Além de Luana, sua mãe criou, sozinha, outros cinco filhos.
A mãe aceitou Luana depois de a filha sair de casa e hoje são amigas e moram próximas, em casas diferentes. “Para mim, é uma conquista ela ter entendido que somos iguais, somos diferentes apenas no quarto”.
Homofobia na música
“Quando comecei a cantar, chegaram a riscar o chão da rua para mostrar que eu era lésbica e não podia passar daquela marca porque o rap não era lugar pra esse tipo de gente”, conta. Essa não seria a primeira vez em que a rapper seria discriminada.
Luana ficou três anos sem conseguir participação em shows e diz que até hoje há pessoas que se recusam a cantar com ela devido à homossexualidade. “Já me mandaram embora de uma casa de shows por ser lésbica”, conta.
“Eu não sou uma mulher benquista no hip hop e está claro para mim que é por eu ser lésbica”, diz. Mesmo com as dificuldades, Luana conquistou espaço e respeito na música, ainda que de forma limitada. “As mulheres do hip hop respeitam meu trabalho independente de quem eu sou”.
Primeira vez no palco
A primeira vez em que Luana cantou para um público foi em 1998, em um comício da Força Sindical para as eleições para a Prefeitura de São Paulo.
Mas foi um show no mesmo ano que marcou a memória da rapper. Ela cantou para menores de idade da Fundação Casa do Tatuapé. Pelas regras, eles não podiam se levantar do chão, nem aplaudir, nem levantar as mãos sem permissão. “Foi o único show em que ninguém levantou. Isso me marcou muito”.
A rapper diz que o que a impressionou é que ela poderia estar ali. Ela passou mais de dez anos traficando drogas. “Só parei porque quase fui presa várias vezes e quase morri de fumar crack. Eu acho que a música entrou na minha vida para me salvar”, diz.
Militância
“Nem sabia que eu militava. As pessoas começaram a se referir a mim como ‘militante’, mas minha maneira de militar é esta: é eu existir, ter meu estúdio, fazer minha música independente”, conta a rapper.
Luana acredita que hoje há mais informações sobre homossexualidade do que há 20 anos, quando se assumiu. Mas não aprova casais lésbicos como os de “Babilônia” na televisão. “A Globo criou um padrão de mulher lésbica que não é o meu. Ou a mulher é uma lésbica bem sucedida ou é o Juninho Play [personagem de um dos quadros de Zorra Total, em que a atriz Samantha Schmütz faz papel masculino]. Isso não me representa”, diz.
A rapper opina que há a necessidade de dar visibilidade a mulheres, negros, à comunidade LGBT e a outras minorias e isso não será feito de forma artificial. “Quer dar voz a essas pessoas? Passe a palavra a elas”.
Assista ao clipe de “Ventre Livre de Fato”
– Show na faculdade de Serviço Social da Unisa
Data: 15 de maio às 19h30
Endereço: Rua Isabel Schmidt, 349, Santo Amaro, São Paulo
– Show para a Marcha das Vadias
Data: 16 de maio às 19h
Endereço: Rua Barra Funda, 34, Barra Funda, São Paulo
– “Todo dia é dia 18”
Data: 18 de maio às 14h
Endereço: Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) – Rua Nossa Senhora de Nazaré, 51, Cidade Dutra, São Paulo
– Apresentação do filme “Quatro minas”
O filme tem participação de MC Luana, que fará um pocket show no final
Data: 24 de maio às 14h
Endereço: CCJ (Centro Cultural da Juventude) – Avenida Deputado Emílio Carlos, 3641, Limão, São Paulo
* Todos os eventos são gratuitos
Foto: Maria Carolina Gonçalves