em meus textos, para chamar atenção para o sexismo de nossa língua, estou invertendo a norma e usando o feminino como gênero neutro.
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digamos que um parque conta com dez animais da espécie Panthera leo.
de acordo com as regras atuais da língua portuguesa, só podemos dizer que “existem dez leoas no parque” se temos certeza que os dez animais são fêmeas.
por outro lado, falamos que “existem dez leões no parque” se:
1) temos certeza que os dez animais são machos.
2) se houver ao menos um macho no grupo.
3) se não soubermos nada sobre os gêneros dos animais.
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inverti a regra.
agora, uso o masculino somente na opção 1, quando tenho certeza que o indivíduo ao qual me refiro é masculino.
para as opções 2 e 3, uso o feminino.
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para me referir a seres humanos de modo geral, uso o feminino, idealmente antecedido de “pessoa”.
por exemplo, o texto “carta aberta às pessoas privilegiadas” normalmente teria se chamado “carta aberta aOs privilegiadOs”, se referindo a todas as pessoas privilegiadas do mundo de ambos os sexos.
se eu mudasse simplesmente para “carta aberta Às privilegiadAs”, o texto poderia passar a impressão errada, graças ao treino sexista que impusemos aos nossos ouvidos, de falar somente para as mulheres privilegiadas e não aos homens.
portanto, para evitar essa distorção e manter o significado genérico, o título final ficou “carta aberta às pessoas privilegiadas”.
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outra forma de evitar o sexismo é usar a palavra “pessoa” livremente e sem medo de repetições.
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só uso o masculino para me referir especificamente a homens.
da mesma “carta aberta” citada acima:
“escuto muito: homens reclamando da histeria das feminazis, pessoas cis reclamando da agressividade das militantes trans, brancas reclamando do vitimismo do movimento negro, religiosas reclamando da chatice das ateias militantes. … é comum ouvir as pessoas privilegiadas (homens, brancas, cis, ricas, etc) reclamarem que as militantes de causas marginalizadas (movimento negro, lgbt, trans, feministas, indígenas, ateias, etc) são agressivas, defensivas, estressadas, etc.”
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um ponto especial sobre pessoas trans*:
eu me refiro no masculino a quem se apresenta e se autoidentifica como homem. e idem para mulheres. não cabe a mim e nem me interessa ser o juiz de quem nasceu com quais órgãos ou quem tem o quê debaixo das roupas.
se a mulher que vazou os segredos para a wikileaks se apresenta como chelsea manning, isso é tudo o que preciso saber para me referir a ela e tratá-la como mulher.
é uma simples questão de respeito.
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existem várias outras maneiras de inverter o sexismo da língua, como usar a arroba e o x.
respeito muito todas as pessoas que também estão lutando por menos sexismo na língua e que escolheram usar essas ou outras opções.
os meus motivos para não adotá-las são os mesmos de juno, expostos no texto: deixando o X para trás na linguagem neutra de gênero
recomendo também esse utilíssimo manual para o uso não sexista da linguagem.
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utilizar o feminino como gênero neutro é apenas uma regra que estou seguindo em meus próprios textos. não estou impondo essas regras a ninguém.
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talvez a grande contribuição da filosofia durante o último século tenha sido essa:
as palavras importam. a linguagem molda o mundo.
vale a pena brigar por isso. não é uma luta vã.
Fonte: Alex Castro