Musas & Múmias

Devemos à Grécia Antiga a invenção das musas – nove entidades mitológicas capazes de inspirar a arte e a ciência. O templo delas era o Mouseion, palavra que nos deu museu e música.

Até hoje a imagem da musa inspiradora continua popular. No Brasil ao menos. Vira e mexe, aparece uma. Para ganhar o título é necessário ser jovem (de corpo e de cara), bonita (de acordo com o padrão dominante) e estar em evidência (o mouseion atual é a mídia).

É possível criar musas para qualquer categoria. Uma juíza em evidência, jovem e bonita, pode se tornar a musa do Judiciário. Se uma moça catadora de lixo virar notícia, for vistosa e ter menos de trinta, batata, ela será batizada a musa dos catadores de lixo.

Trata-se de um automatismo. Jornalistas preguiçosos adoram, pois é para lá de fácil descrever uma musa. O público em geral delira com uma cara bonita num corpo bonito. E a musa aproveita a fama instantânea. Só a inspiração é quem fica a ver navios.

Não estou exagerando. Por esses dias, apareceu uma nova musa nos noticiários nacionais. A musa da CPI do Cachoeira. Andressa Mendonça, 30 anos, roubou os holofotes em uma sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Quem é ela? A companheira de Carlinhos Cachoeira, réu principal da CPI. Ele é dono de vários créditos: traficante, bicheiro, lobista, chantagista, fonte de jornalistas, amigo de governadores e empresários, chefe de quadrilha. Em que a musa Andressa pode inspirar a CPI? Ao fracasso naturalmente.

Faz vinte anos, houve um momento gravíssimo na vida nacional. O presidente da República, devido ao clamor popular e ao trabalho da imprensa, foi impedido de seguir governando. Também aí surgiu uma musa. Seu nome, Thereza Collor. Seu título, musa do impeachment.

Numa tragicomédia – outra contribuição grega – Thereza era mulher de Pedro, irmão do presidente Fernando Collor. Pedro denunciou publicamente esquemas de corrupção do irmão. Fernando caiu. Pedro morreu de um câncer no cérebro. Thereza se casou com o usineiro João Lyra.

Daí pergunto: a musa Thereza inspirou o quê mesmo?

Mas é claro que há musas e musas. Nara Leão (1942-1989) ganhou o selo de musa da bossa nova. E foi. Ela gravou centenas de canções, se apresentou com seu violão em outras centenas de shows, descobriu e divulgou talentos incríveis.

Nara foi uma musa que inspirou! Participou da vida pública dando opiniões e indo a passeatas, numa época em que se expressar politicamente era se candidatar ao xilindró. Eram os anos da ditadura militar.

E as múmias? Ah, sobre essas e esses eu não preciso escrever. Você já deve ter feito uma lista generosa.

fernanda pompeu, webjornalista e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé e do Yahoo. Escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

 

 

Fonte: Nota de Rodapé

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