Na Bahia de pele preta, Segundo Sol é coberto por nuvens do racismo

A Bahia sempre está na moda. Agora, brilha no folhetim Segundo Sol. Na novela da vida real de Salvador, o astro-rei está coberto entre nuvens, completamente eclipsado. Não há descanso para a maioria da população negra, estranhamente não representada pelo elenco da novela das nove, da TV Globo.

por Sérgio Maggio Do Metrópoles

Foto: Reproduzida/ metropoles

Nesta semana, Salvador ocupou o noticiário nacional com episódios chocantes. Nesse sábado (10/6), 30 mortes, a maioria de homens jovens e negros, abalaram a cidade. Alguns pais de família, outros policiais, uns ligados ao crime, muitos sem nenhum contato. Em comum, a cor da pele preta. Isso não é gratuito. Nunca foi coincidência. É o alicerce podre da nação brasileira racista e estruturada que se desmorona diariamente. Tanto na primeira capital do Brasil, quanto no país afora.

Os negros sempre souberam que o mito da democracia racial era um paliativo para que a Casa Grande dormisse tranquila nos bairros nobres de Salvador. Das abordagens de ônibus, quando a polícia mandava descer só os homens negros, aos elevadores sociais dos prédios chiques, que só branco entrava, o cotidiano tratou de maltratar o cidadão preto baiano desde pequenino.

Como ocorreu, por agora, com o pequeno Matheus, que estava no Shopping da Bahia, um dos mais importantes, e foi impedido de matar a fome por seguranças da instituição. Graças à insistência do cidadão Kaique Sofredini, que tentou pagar um prato de comida e foi coibido, o drama desses meninos negros baianos voltou a circular pelo país.

Nunca foi novidade a infância negra despedaçada na Bahia. Jorge Amado já descrevia a pouca chance que esses garotos herdavam no clássico Capitães de Areia

Essa Bahia, que em nada se assemelha à novela das nove, de sotaque massa e bem trabalhado por intérpretes branquíssimos, é alvejada diariamente em sua pele escura. O ator Leno Sacramento, do Bando de Teatro do Olodum, estava passado de bicicleta pelo centro da cidade, quando policiais o confundiram com um ladrão. Atiraram e não foi de raspão.

Um corpo negro que cai no asfalto soteropolitano ainda parece ser mais um

Leno está em cartaz com o espetáculo “Encruzilhadas”, no qual questiona o lugar do corpo negro na sociedade soteropolitana. Certamente, um lugar marginalizado ou um não lugar de cidadão. Nesse sentido, é muito conflitante essa guerra que mata o povo negro baiano e a ficção Segundo Sol, nascida velha por não trazer para seu processo de lida diária corpos negros que precisam ser representados numa esfera de poder, como um folhetim da TV Globo.

Com os negros morrendo nas ruas de Salvador e os brancos se requebrando no horário nobre, fica fácil perceber a profundidade do abismo em que nos encontramos. Empregar um intérprete negro como protagonista, numa ficção inspirada numa terra que tem cor, é mandar um recado: a vida negra nos importa. Vale muito e não pode ser dizimada no estalar dos dedos.

Infelizmente, ainda não foi dessa vez que teremos atores e atrizes negras de pele retinta, os preferidos pelo racismo que mata e fere, em outro lugar de humanidade.

Um salve a Matheus, um salve a Leno, que escaparam com vida. Uma prece aos 30 homens negros abatidos em Salvador.

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