Natal: Descaso com a cultura popular

É preciso que fiquemos alertas aos tempos que se mostram para nós. É de se estranhar que na cidade de Martins, neste ano de 2011, não ter havido carnaval pelo fato da gestora ser evangélica, bem como a Prefeitura da cidade do Natal inaugure um monumento à bíblia no auge de uma crise política e convide uma banda gospel pagando um cachê quase referente ao valor de construção de toda a obra do largo de Yemanjá, que já tem recurso aprovado e depositado na conta da SEMUR, mas não realiza a construção. A Comissão contra o preconceito e discriminação da Câmara, juntamente com o movimento das religiões de matriz africana, já realizou 8 reuniões sem sucesso com a gestão executiva de Natal.

O que existe de coincidência nisso? Racismo e Cristianismo empurrados de forma arbitrária com recursos públicos? Até agora não há sinalização da Prefeitura em apoiar a tradicional festa de Yemanjá no réveillon da nossa cidade. Teremos uma festa mais branca e mais cristão, para aparentar que nossa cidade não tem sérios conflitos a mediar, inclusive no direito a livre expressão cultural e artística?

Neste momento, nossa visão não pretende ir além do que discutir o que representar só existir apoio para festas cristãs e que tem como pano de fundo a tradicional família. O que representa não acontecer o auto de Natal, espaço onde nossos artistas desenvolviam grandes performances, lembro-me de Amir Adad, sua irreverência com meu caro amigo jumento de Patativa, a liberdade do corpo que há 15 anos fazia pessoas de todas as idades de moverem em oficinas belíssimas e com a construção de um espetáculo popular e democrático.

Quando questionamos porque a Prefeitura não garante estrutura mínima para a festa de Yemanjá, questionamos junto o racismo e o conservadorismo aqui instalados que não permitem fazer do nosso estado ecumênico, tampouco mais laico. Refletindo, dessa maneira, o processo histórico de discriminação e preconceito com a população negra brasileira.

Existe instalado socialmente um medo das religiões de matrizes africanas, bem como, coincidentemente, medo de um homem negro na rua, de uma mulher negra como babá, de uma criança negra para ser adotada, negro na porta de banco, enfim, a aversão ao que vem de negro (a) e pobres foi a forma como o nosso estado se organizou nas suas subjetividades e nas suas crenças religiosas.

Não basta apenas existir um Museu da cultura popular e pôr lá todas as religiões que compõem a cultura brasileira e nordestina em um aparente ato de tolerância e respeito. A questão é bem mais complexa do que geralmente analisamos.

Pesquisas mostram que as mulheres negras são desvalorizadas socialmente, sempre com números negativos em dados referentes a sua qualidade de vida e aos recursos sociais e humanos, bem como os homens negros são maioria dos jovens assassinados no Brasil. As mulheres negras são as que mais morrem por morte materna, bem como as que têm o filho com menor peso, ou seja, temos motivos ou não para desconfiar que o racismo está na nossa política e na nossa cultura?

É urgente superar o racismo em todas as fases de execução das políticas sociais brasileiras, bem como, reconhecer a inegável contribuição de toda a população negra com seus costumes e crenças, que fazem dessas religiões afro-brasileiras uma experiência única, e ser estudada e valorizadas por pesquisadores do mundo todo, menos por nós, que estamos aqui e, por preconceito, não nos permitimos a sentir o axé.

Coletivo Leila Diniz

-+=
Sair da versão mobile