Número de idosos que concorrem ao Enem em 2023 quase dobra

Número de candidatos com mais de 60 anos neste ano somou 10 mil, quase o dobrou em relação aos 6 mil concorrentes registrados em 2021

FONTECorreio Braziliense, por Vinicius Doria
Entre os quase quatro milhões de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, estão cerca de 10 mil candidatos com mais de 60 anos - (crédito: Luis Nova/CB)

Os números absolutos ainda são modestos, mas apontam uma tendência que acaba de ser corroborada pelo Censo 2022. Entre os quase quatro milhões de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, estão cerca de 10 mil candidatos com mais de 60 anos. O número se aproxima do dobro do que foi registrado no exame de dois anos atrás. Em 2021, 6 mil pessoas com mais de 60 anos tentaram uma vaga na faculdade.

De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao Censo 2022, a população idosa do Brasil com 60 anos ou mais de idade soma 32.113.490 de habitantes (15,6%), um aumento de 56% em relação a 2010, quando era de 20.590.597 (10,8%). Os números do Censo e do Enem reforçam a necessidade de se pensar na presença maior de pessoas mais velhas no cotidiano da sociedade, no trabalho, na família e no lazer.

Os especialistas apontam para outro fator importante captado pela pesquisa do Censo, que tende a se refletir no perfil dos inscritos no Enem. Metade da população brasileira já tem mais de 35 anos. Há, para cada grupo de 100 crianças com menos de 14 anos, 55,2 idosos com mais de 65. Doze anos atrás, eram 30,7. Se baixarmos a média para pessoas com mais de 60 anos, o índice chega a 80%. Esses números da base e do topo da pirâmide etária mostram a mudança no formato geométrico que distribui a população por faixa de idade.

Para a doutora em gerontologia e reitora da Uniceplac, de Curitiba, Kelly Pereira, a presença cada vez maior de idosos nos bancos das faculdades exige uma reflexão das instituições de ensino para que se preparem adequadamente. A começar pelo perfil e pelas aspirações desse grupo em relação aos jovens que estão na trajetória educacional esperada.

“A gente começa a vivenciar um cenário diferente, de pessoas que não tinham oportunidade, que precisavam contextualizar uma vida, com família e profissão, e só depois é que conseguiram criar uma frente para voltar a estudar. E ainda têm aqueles que buscam outra formação para retornar ao mercado de trabalho. As instituições têm que pensar em formatos curriculares de aprendizagem para a vida, para o longo prazo”, disse a reitora ao Correio.

Mas as diferenças podem ser aliadas no processo de aprendizagem. A diversidade e a experiência de vida dos alunos idosos devem ser exploradas, para a educadora, como prática de convivência, em que todos ganham. “Essas pessoas trazem histórias de vida, passam por um processo de amadurecimento diferente do de um aluno que acabou de sair do ensino médio. Nas atividades de sala de aula, essa pessoa mais velha tem a oportunidade de trazer histórias de vida, exemplos, que podem contribuir para o processo de aprendizagem aquele que é mais novo”, pondera.

A presença cada vez mais visível da geração 60 nas salas de aula das faculdades impõe, na elaboração de políticas públicas e na gestão das instituições de ensino, alguns desafios decorrentes do abismo geracional em relação aos adolescentes que acabaram de se formar no ensino médio. Entre eles, está o uso adequado das novas tecnologias, geralmente bem mais amigáveis à nova geração do que aos representantes das gerações ainda analógicas. A adaptação às novas ferramentas de ensino baseadas na tecnologia digital e na linguagem das redes sociais costuma ser mais lenta.

Kelly Pereira reforça que o processo educacional, atualmente, é muito mais participativo, o que favorece a inclusão e a diversidade. “Hoje, a gente não fala mais de um aluno isolado em uma carteira, de uma sala de aula com todo mundo em silêncio, sentado um atrás do outro. Hoje temos o trabalho coletivo, o diálogo, a construção de ideias. E falamos de muitos outros aspectos também, de gênero, de raça. Quando trazemos todos para o mesmo local, para discutir educação, a gente só evolui.”

Preconceito com a idade

O lado perverso da moeda da inclusão dos alunos com mais de 60 anos de idade ainda é o preconceito. Não são raros os ataques que os mais velhos recebem de colegas por meio das redes sociais. Em março deste ano, três estudantes de uma faculdade privada de Bauru, no interior de São Paulo, foram acusadas de injúria e difamação por postar, nas redes sociais, um vídeo em que perguntam “como faz para desmatricular uma aluna de 40 anos” que “sequer sabe mexer no Google?”. “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”, escreveu um seguidor na área de comentários. A pessoa com 40 anos de idade está longe de ser considerado idosa, mas o etarismo nas instituições de ensino é usado como bullying, uma agressão que deve ser combatida.

“Precisamos estar preparados para lidar com a questão do preconceito em relação ao etarismo”, alerta a reitora. “A gente não está preparada para a sexualidade do idoso, a reinserção desse idoso no mercado de trabalho, mas vai ter que se preparar para inserir esse idoso no contexto da sociedade novamente. Vamos ter muito mais pessoas envelhecendo do que nascendo, precisamos mudar”, aponta.

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