Estudante negra de escola pública ganha prêmio com pesquisa que apontou racismo em dicionários: ‘racismo enraizado na fala’

Franciele de Souza Meira conquistou o primeiro lugar na categoria Ciências Humanas durante a 22ª edição da Febrace.

Franciele mora em Extrema (MG) e estuda em Bragança Paulista, no IFSP — Foto: Arquivo pessoal

Uma aluna do Ensino Médio do Instituto Federal São Paulo, de Bragança Paulista (IFSP), conquistou medalha de ouro após apresentar uma pesquisa sobre racismo, durante a 22ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), realizada em SP.

A premiação aconteceu no fim do mês de março, na Universidade de São Paulo (USP). Foram mais de 220 projetos finalistas que participaram da premiação.

Com o tema “Registro de ‘preto’ e ‘negro’ em dicionários de língua portuguesa”, a estudante Franciele de Souza Meira faturou o prêmio. No trabalho, orientado pelo Prof. Dr. Rafael Prearo Lima, ela se dedicou a mostrar o viés racista utilizado nos dicionários para a definição das palavras.

“Eu sempre gostei muito de história e sociologia, principalmente se for voltada às questões raciais. Além disso, eu estou inserida na comunidade negra. Por isso, quis fazer um projeto que tivesse a ver tanto com esses temas quanto comigo”, explicou.

“Eu busquei mostrar que o racismo, no caso de indivíduos negros, não está apenas enraizado em ações, mas também na fala, na língua portuguesa.”

Franciele, que conquistou medalha de ouro na Febrace, ao lado do professor Rafael. — Foto: Arquivo pessoal

Segundo ela, a pesquisa do projeto foi dividida em pelo menos três partes: a primeira delas foi a definição de quais dicionários seriam utilizados para a análise das palavras. Na segunda parte, com base nos estudos da lexicografia e da análise do discurso, ela analisou os efeitos de sentido produzidos pelas definições para saber como são ideologicamente marcadas.

Por fim, a estudante efetuou a comparação das definições para ver as diferenças ideológicas de cada registro.

“As definições encontradas em dicionários mais antigos eram esperadas de certa forma, pois esses dicionários foram publicados quando circulava-se, à época, um discurso pró-escravidão. Em relação aos dicionários mais recentes, realmente fiquei surpresa por ver que havia continuidade desse discurso, relacionando os indivíduos negros ao período escravocrata.”

Franciele conta que, por ser negra, a maior dificuldade durante o desenvolvimento do projeto foi a imparcialidade.

Registros do termo ‘negro’ encontrado durante pesquisa nos dicionários — Foto: Arquivo pessoal

“Por ter utilizado a análise discursiva, a maior dificuldade para mim foi ser imparcial para que a minha ideologia não influenciasse nas análises. Além disso, o desenvolvimento do relatório também foi complicado, pois nunca tive que descrever com tantos detalhes uma pesquisa”, contou.

A estudante explicou que encontrou os dicionários mais antigos digitalizados em bibliotecas e acervos virtuais, mais especificamente na biblioteca de Harvard e na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

Medalha de ouro conquistada por Franciele na Febrace — Foto: Arquivo pessoal

Estudos e prêmio

Ao g1, Franciele contou que estuda em tempo integral no Instituto Federal e que sempre gostou de estudar. Caso não conseguisse a vaga no instituto, ela explicou que tentaria fazer algum curso profissionalizante e trabalhar.

Ela mora em Extrema (MG), mas estuda em Bragança Paulista. A paixão pelos estudos sempre esteve presente na vida de Franciele, que destacou duas disciplinas preferidas: História e Sociologia.

“Eu sempre gostei muito de história e sociologia, principalmente se for voltada às questões raciais. Além disso, eu estou inserida na comunidade negra. Por isso, quis fazer um projeto que tivesse a ver tanto com esses temas quanto comigo”, disse.

A indicação ao prêmio na Febrace aconteceu durante outra feira: a Bragantec, onde ela também conseguiu o primeiro lugar em Ciências Humanas e Linguagens. Segundo ela, conquistar o primeiro lugar na Febrace foi ‘indescritível’. Agora, ela conta que pretende fazer licenciatura na área de ciências sociais e levar o projeto à graduação.

“Fiquei extremamente feliz por ver que meu trabalho pode chegar ao patamar de ganhar primeiro lugar na maior feira da América Latina”, comemorou.

“Essa premiação me fez ver que eu posso conquistar grandes coisas com meu próprio trabalho, com meus próprios projetos”.

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