Existem avanços no cenário racial brasileiro. Houve uma melhora na conscientização de parte da sociedade em relação aos desafios dessa agenda. O debate está mais aberto. Há maior proposição de ações afirmativas. Porém, os recentes progressos podem esconder um cenário nada animador: apesar da relativa ascensão social de uma pequena parcela de negros, milhares estão ficando para trás.
Essa é uma das constatações que fizemos a partir do livro “Números da Discriminação Racial”, organizado por mim e pelo pesquisador Alysson Portella, cujo lançamento será no dia 27 de outubro às 18h no Insper (também haverá transmissão online pelo YouTube).
A obra contou com o apoio de pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do Insper e de especialistas externos à instituição. Ao tabular e analisar longas séries históricas de dados sobre a evolução das disparidades raciais no país, percebe-se que, em muitas dimensões, não avançamos quase nada e, em determinados casos, estamos regredindo. No mercado de trabalho, por exemplo, desde 2010, negros ganham, em média, cerca de 50% a menos que brancos.
Quando levamos em consideração os diversos aspectos que impactam as disparidades salariais (como localização, educação, idade, gênero e ocupação), tem-se que os negros com características produtivas semelhantes às dos brancos ganham, em média, cerca de 14% menos. Tal disparidade salarial permaneceu relativamente constante nos últimos 40 anos em um país que passou por um processo de redemocratização e teve diversos governos tanto de direita quanto de esquerda.
A análise de outras variáveis que ajudam a medir o bem-estar da população revela, praticamente, o mesmo: trocam-se os governantes, mas as disparidades permanecem. O caso da educação é emblemático. Esperava-se que o maior acesso ao ensino formal ajudaria a população negra a adquirir competências necessárias para participar de forma mais integrada e bem-sucedida da sociedade brasileira moderna.
Os negros foram para escola; contudo, agora parecem estar mais segregados que no passado. Embora tenhamos tido consideráveis progressos no acesso ao ensino básico, nossas crianças e adolescentes ainda estão aprendendo muito pouco nas escolas. Ao verificar a dimensão racial, constata-se que as disparidades de aprendizagem entre brancos e negros está se ampliando ao longo do tempo. Para aqueles autodeclarados pretos, o contexto é ainda pior.
Entretanto, as disparidades de aprendizado é somente uma parte do problema. Para um mesmo nível educacional, existem diversos outros fatores que afetam os resultados alcançados na vida de forma distinta entre os subgrupos populacionais. As mais variadas formas de discriminação e estigmas enfrentados pelos negros, por exemplo, representam poderosos freios em seus desenvolvimentos individuais.
Em todo esse contexto, devemos lembrar que a construção de uma sociedade próspera está diretamente associada com as oportunidades que damos aos indivíduos para desenvolverem plenamente suas competências e, assim, terem possibilidades concretas de atingir todo o potencial humano. No Brasil, ainda oferecemos isso somente a um pequeno e seleto grupo de pessoas. Gerimos muito mal nossos recursos humanos. A vergonhosa forma com que, de forma distinta, percebemos e tratamos aqueles de origens desfavorecidas é uma das principais razões pela qual continuamos sendo uma nação pobre.
O texto é uma homenagem à música “Canto das três raças”, composta por Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, interpretada por Clara Nunes. Vale destacar também que o livro “Números da discriminação racial” vem acompanhado de uma bela playlist.