Há dias quero escrever sobre a resposta da população negra e a forte mobilização que se seguiu ao assassinato do jovem Michael Brown no Missouri (EUA), e se espalhou por todo o país.
O que me incomodou e ainda incomoda desde o início foi o tom que os noticiários de maneira geral deram e continuam dando ao assunto por aqui. Muitas considerações reprobatórias ao racismo americano, às tensões raciais presentes na cultura norte americana e à necessidade de se superar tal fato.
Conselhos, teorias, advertências de uma possível ruptura, crise governamental, reprovação externa, críticas de ativistas, sanções internas ou boicotes, enfim, quase se chega à acreditar que realmente estas atrocidades e posturas inadmissíveis nos dias de hoje estão circunscritas ao território estadunidense.
O incômodo está na hipocrisia presente nestas afirmações, nos comentários de como os EUA devem aprender (com o Brasil, é claro), que os erros do passado recente devem servir de exemplo para um respeito maior às diferenças e à diversidade na busca de uma sociedade mais justa.
Só que por aqui não somos capazes de sair de uma espécie de cegueira ou letargia autoconsentida e auto imposta no que se refere às tensões raciais que vitimizam um número alarmante de jovens negros de forma letal e que deixa marcas profundas em quase a metade da população do país.
O rigor da justiça, majoritariamente composta por indivíduos de cor branca e da elite, pesa a mão quando se trata de pessoas negras envolvidas. A notícia de que Rafael Braga, preso nas manifestações de junho, portava álcool, água sanitária e desinfetante, com flanelas que poderiam ser transformadas em pavios para serem usados como explosivos.
Eu não conheço Rafael Braga, não conhecia Michael Brown, mas ao analisar, seus casos se somam e se encontram. Assim como os de Cláudia, Caio, Ruan e tantos e tantas outras negros e negras que vem arcando com um custo alto demais, suas próprias vidas.
O interessante é que em plena corrida eleitoral, nenhuma proposta que encare de frente o racismo perverso e muito mais letal que temos aqui, que se busque a efetivação das políticas que já existem pelo menos, a começar pelo fato de que a lei se cumpra e se denomine como crime o que é crime.
Racismo não é injúria, mal entendido ou outra forma mais branda de não se punir o que de fato é e se reconhecer que há racismo em formas requintadas e cruéis no Brasil e seu enfrentamento é mais do que urgente.
Uma mãe norte americana declarou e foi noticiado pelo Washington Post de hoje “quantos pais de filhos brancos têm pensado em adicionar a lista do não-fazer-antes-de sair da cidade a tarefa de escrever carta para a polícia anexando fotos e nomes de seus filhos para não se tornarem suspeitos e serem assediados pela polícia?”
Quantas pessoas brancas neste país pensam duas vezes antes de sair de casa para ir à padaria da esquina, para ver se estão com sua carteira de identidade ou na pior das hipótese a de trabalho?
Quantas mulheres brancas são instruídas a ficarem quietinhas no hospital ao dar à luz para não serem abandonadas no meio do trabalho de parto?
Está na hora de começarmos a nos inquietar com as notícias de nossas tragédias particulares.
“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”
*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@MncaSFrancisco)
Fonte: Jb