“O estereótipo da favela na TV não nos representa”, dizem atores da Cia Marginal

Grupo do Complexo da Maré se apresenta em Curitiba e critica retrato das comunidades nas novelas: “Eu não falo gritando”

Por Jonathan Pereira, do iG 

Os atores do Cia Marginal, criada há dez anos no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, discordam da forma como as comunidades e favelas são retratadas na TV e no noticiário. Geandra Nobre, Jaqueline Andrade, Phellipe Azevedo, Rodrigo Souza e Wallace Lino, que fizeram duas apresentações da peça “Eles Não Usam Tênis Naique” no Festival de Teatro de Curitiba, falaram sobre o assunto.

“É um estereótipo, não o reflexo do que a gente é. Eu virei a Camila Pitanga“, disse Jaqueline, referindo-se à Regina, personagem da atriz na novela “Babilônia”, ano passado. “E eu só falo gritando”, ironizou Wallace. Jaqueline explica sua visão.

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Alex Carvalho/TV Globo

Camila Pitanga como Regina, moradora do morro da Babilônia na novela do ano passado

“A gente é plural, e na TV todo mundo é chapado, não tem camada, sabe? É sempre assim tudo muito raso, com pouca profundidade, não tem representatividade. Aquilo não me representa, não sou assim e não vou aceitar isso”.

Ela acredita que os telejornais também têm sua parcela de culpa. “A ficção cola na realidade distorcida que as emissoras mostram na cobertura jornalística”. Wallace concorda. “A coisa sempre é distorcida, nunca chega como é de verdade. A gente só tem um recorte dela na mídia”.

Rodrigo complementa. “O estereótipo está em tudo: no favelado, negro, nordestino, travesti, no gay… Há sempre essa reprodução do estereótipo. A favela é um lugar para você entrar e ver o que é de fato, sair um pouco do quadrado (da tela da TV). A Globo é um reflexo muito forte disso, no jornalismo principalmente. Precisamos sair desse recorte”.

Annelize Tozetto/Divulgação

Cia Marginal apresentando a peça ‘Eles Não Usam Tênis Naique’ no Festival de Teatro de Curitiba

Espetáculo

A montagem, apresentada pela primeira vez em outro Estado no último final de semana dentro da Mostra Oficial do Festival de Curitiba, conta a história de Roseli e seu pai, envolvido no tráfico de drogas. Jaqueline, Geandra, Phellipe e Wallace se revezam entre os personagens, enquanto Rodrigo abre o espetáculo e cuida da trilha sonora tocando instrumentos no palco.

Annelize Tozetto/Divulgação

Os atores se revezam nos personagens de Roseli e seu pai

Em determinado momento, eles se sentam nas quatro cadeiras escolares que servem como cenário e desabafam sobre problemas reais de suas vidas. As lágrimas brotam no rosto dos atores e, não raro, no da plateia.

“A gente coloca as questões não só na favela, mas em toda a cidade. Existe dono em todo o espaço que a gente está: tem o dono da cidade, não só o dono da favela. O tempo todo é dito que a cidade não é para nós. O prefeito (do Rio, Eduardo Paes) corta o acesso a todas as vias que saem da periferia para a Zona Sul. Agora a gente tem de fazer baldeação, gastar um dinheiro que a gente não tem”, diz Phellipe.

Annelize Tozetto/Divulgação

Geandra Nobre, Jaqueline Andrade, Phelippe Azevedo e Wallace Lino contam seus dramas

Wallace vê segregação entre o morro e o asfalto. “Falam muito em linhas invisíveis, mas elas são concretas. A favela não é parte da cidade, não é reconhecida. E isso é muito dolorido”.

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