
É antigo o histórico da baixa taxa de natalidade na maioria dos países europeus. Mas notícia recente da Hungria traz uma perspectiva francamente rasteira para o problema.
Na opinião do primeiro-ministro ultradireitista Viktor Orbán e de seu partido, Fidesz, educação muito elevada tornaria as mulheres húngaras superiores aos homens, desestimulando a procriação. Misógino e racista, ele é também inimigo ferrenho da imigração.
Essa questão aparece quando os dirigentes húngaros começam a preocupar-se com a precariedade demográfica nacional, pois a xenofobia institucionalizada é uma barreira prática ao incremento populacional por parte de imigrantes. O ultranacionalismo sonha com húngaros “puros”.
Por outro lado, o fato de 82% dos professores serem do sexo feminino é interpretado por Orbán como causa do desinteresse das mulheres pela maternidade. Quanto mais educadas, menos afeitas seriam à execução de tarefas tradicionais como cuidar dos filhos e da casa.
Friedrich Engels é oportuno: “O fator determinante da história é, em última instância, a produção e reprodução da vida imediata” (1884). Fundamental para compreender a história da opressão das mulheres, Engels mostra que isso ocorre com o advento da família monogâmica, quando o homem domina o espaço doméstico e introduz a mulher no universo da produção. A mãe seria, no limite, equivalente ao operário, isto é, ao produtor de bens. Ela produz vida, ou seja, o filho(a), destinado a circular socialmente sob a lei patriarcal, assim como a mercadoria sob o capital.
Politicamente, dá-se a colonização do território existencial da mulher, basicamente de seu corpo. A análise de Engels é, naturalmente, anterior à lenta descolonização operada pela luta feminista desde fins do século 19. A entrada massiva de mulheres nos muitos níveis do mercado de trabalho é um dos fatos sociais mais importantes do século 20.
Descolonizar, entretanto, é exigência maior do que o implicado na economia. Ainda é imperativo superar o complexo misógino entranhado na visão de mundo patriarcal, raiz do machismo que autoriza os feminicídios.
Esse complexo aflora nos transtornos cognitivos do protofascismo. A fixação cromática é um sintoma: Orbán preconiza uma “educação rosa” para domesticar o intelecto feminino e estimular a procriação. Uma asneira chapada entre o risível e o penoso, claro. Mas revela a fonte de estultices ministeriais como “meninas vestem rosa” ou integristas como “homem da casa é rei”.
E sobretudo expõe o subterrâneo político da misoginia: ao medo visceral que a mulher inspira à consciência fascista, tenta-se contrapor a grotesca exaltação autoconsoladora do falo.