As supostas renovações da masculinidade não têm passado de uma farsa, e isso por um motivo elementar: têm, equivocadamente, fechado os olhos para o feminismo — que é o único meio através do qual o “novo homem” pode, de fato, abandonar os modelos e valores de uma masculinidade fossilizada e adaptar-se às incontáveis transformações que o feminismo vem realizando nas mais expressivas coletividades humanas.
Texto de Henrique Marques-Samyn.
De modo geral, as reflexões em torno do “novo homem” apontam para dois caminhos: ou se trata de um homem que, de algum modo, “moderniza” valores convencionalmente associados à masculinidade; ou de um homem que se abre à negociação com elementos “femininos”, o que propiciaria uma libertação da figura tradicional do “macho”. A respeito desse último ponto, ressalto que aqui não me refiro a qualquer modelo que admita a construção de possibilidades andróginas, o que poderia permitir alguma relativização ou questionamento das referências de gênero; o caso de que trato supõe o reforço de uma estruturação binária que trabalha com categorias estanques de “masculino” e “feminino”.
No primeiro caso, temos homens que apresentam os tradicionais atributos da virilidade e da potência física e sexual, embora de um modo pretensamente mais “sofisticado” ou “refinado” em comparação com a típica masculinidade convencional. No segundo caso, temos desde homens que utilizam discretos cosméticos até os que ostensivamente se maquiam; ou que, supostamente mais ousados, incorporam peças como saias ou outros acessórios “femininos” ao seu vestuário cotidiano — sem, reitero, questionar de qualquer modo essas categorizações de gênero. Traços desses modelos podem, é claro, mesclar-se em concepções específicas do “novo homem”; minha intenção não é construir uma tipologia rígida, mas abordar aspectos basilares comuns aos modelos que vêm sendo apresentados como instâncias de renovação da masculinidade.
O que a meu ver permanece subjacente, e que acaba por minar qualquer possibilidade de que o “novo homem” busque uma efetiva ruptura com os modelos tradicionais, é uma noção incontestada de “natureza masculina”. Em qualquer dos casos anteriormente mencionados, persiste o tácito pressuposto de que há algum tipo de princípio natural constitutivo da masculinidade que ora se abre à “negociação” com valores tidos como femininos, ora se atualiza numa roupagem mais adequada aos tempos contemporâneos. Eis a mensagem fundamental: nós, homens, não precisamos colocar em risco nossa “essência masculina” para que possamos acompanhar os novos tempos; é suficiente a reelaboração de alguns elementos periféricos.
Qual é, por conseguinte, o sentido real da mensagem? Que o “novo homem” em nada é menos “macho”; que nada tem a perder de sua virilidade, ou da posição privilegiada que ocupa na sociedade patriarcal. Assim, o homem que ousa incorporar elementos “femininos” pode ser apresentado como alguém que desfruta de uma intimidade com o universo das mulheres, o que lhe faculta maior compreensão da “alma feminina”, um melhor desempenho sexual, uma sensibilidade que lhe permite gozar melhor do “sexo oposto”. Por sua vez, o homem que se apresenta como uma versão mais “sofisticada” do “macho” tradicional pode ser visto como alguém que sabe exercer sutilmente seu domínio através das artes do cavalheirismo, bem como tratar a mulher como uma “princesa”, fazendo com que ela se sinta mais confortável em seu papel submisso.
Desse modo, pode-se perceber que esse “novo homem” nada tem de realmente novo: não passa do velho “macho” em novos trajes. Não é assim que nascerá verdadeiramente um modelo renovado de masculinidade; é preciso ir muito mais além. Esse modelo apenas será possível quando, na esfera da experiência cotidiana, o homem fizer aquilo que as mulheres têm feito há séculos, e que determinou a profunda contestação das estruturas sociais e políticas que o feminismo vem realizando: constatar a falsidade de sua própria natureza. A esmagadora maioria dos homens — e isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito ao Brasil — ainda não teve a coragem de encarar a versão equivalente da radical indagação, crucial para o feminismo contemporâneo: o que significa tornar-se homem?
Quando nós, homens, ousarmos questionar sincera e radicalmente nossa própria condição, percebendo que não existe uma “natureza masculina” responsável por conceder-nos qualquer tipo de atributo essencial ou qualidade necessária; que designe para nós um lugar privilegiado na hierarquia social; que produza padrões de conduta sem os quais nossa “masculinidade” será inevitavelmente perdida, talvez enfim nos seja enfim facultado encontrar o caminho para uma verdadeira renovação. Um caminho que passa, inevitavelmente, pelas vastas e férteis terras do feminismo — e que os novos homens (agora, já sem aspas) percorrerão sem qualquer receio de perderem a si mesmos.
As supostas renovações da masculinidade não têm passado de uma farsa, e isso por um motivo elementar: têm, equivocadamente, fechado os olhos para o feminismo − que é o único meio através do qual o “novo homem” pode, de fato, abandonar os modelos e valores de uma masculinidade fossilizada e adaptar-se às incontáveis transformações que o feminismo vem realizando nas mais expressivas coletividades humanas.
Fonte: Blogueiras Feminstas