O racismo é fator determinante para o adoecimento das mulheres negras

por Vera Daisy Barcellos

Buscar garantir o direito à saúde para as mulheres negras requer, antes de tudo, romper com os preconceitos e discriminações que, de tão naturalizadas, se tornaram invísíveis nas práticas das instituições e dos profissionais de saúde”. A manifestação é da assistente social Lúcia Xavier, coordenadora da Criola, do Rio de Janeiro, e consultora do Fundo de Apoio à População das Nações Unidas – Unfpa, na abertura do Seminário Nacional sobre a Saúde Integral das Mulheres com foco na saúde das mulheres negras, direitos sexuais e reprodutivos que desde ontem se realiza em Porto Alegre. O evento, que integra a programação do XI Encontro Nacional da Rede Feminista, conta com a presença de mais de 100 lideranças feministas e do movimento de mulheres de todo o país. O Encontro segue até amanhã, 1/10, quando as filiadas da Rede Feminista elegem, em Assembléia Geral, o novo Conselho Diretor e a Secretaria Executiva para o período 2012-2014.

Na continuidade de sua palestra, Lúcia destacou que alguns estudos demonstram que as desigualdades, no país, diminuem lentamente em alguns campos, mas persistem principalmente, quando se trata de políticas de saúde, “e isto é visível na manutenção de altos índices de morbimortalidade da população negra, especialmente das mulheres negras”.

A morte das mulheres negras – Com base em pesquisa publicada pelo Ministério da Saúde em 2007, ela revela que as doenças cerebrovasculares – como o Acidente Vascular Cerebral (AVC) – seguidas pelos homicídios, foram os principais responsáveis pela morte de mulheres pretas e pardas com idade fértil de 10 a49 anos. O risco para o grupo chega a ser duas vezes maior do que para mulheres brancas em casos das doenças cerebrovasculares e até três vezes maior em casos de homicídios. Já as mortes provocadas pelo vírus HIV ocupam o segundo lugar no ranking de óbitos entre mulheres pretas e pardas com idade entre 10 e 49 anos. O risco, de acordo com a palestrante, chega a ser 2,6 vezes maior do que entre mulheres brancas.

Um quadro que segundo Lúcia Xavier “exige, com devida urgência,apontar mecanismos de ruptura com os altos índices de morbi-mortalidade desta população”. Para ela, “o enfretamento do racismo se dá com políticas públicas de ações afirmativas, de reparação e de melhorias da qualidade de vida da população, não esquecendo da valorização da contribuição negra e do papel das mulheres negras”.

Entre os desafios que se apresentam, Lúcia Xavier enfatizou que para superar o racismo não basta dizer não ou reconhecer os seus efeitos, “é preciso enfrentá-lo como a responsabilidade de cada um”. E desta forma, enfatizou, é necessário que se implante políticas que considerem as necessidades específicas das mulheres negras, levando em conta que é preciso a produção de indicadores de monitoramento, bem como a elaboração de mecanismos de superação do racismo, do sexismo e da lesbofobia no interior das políticas públicas”.

Socióloga destaca a importância da Rede no cenário nacional para a organização do movimento feminista brasileiro

A socióloga feminista Maria Betânia Ávila, do SOS CORPO – Gênero e Cidadania e a médica especialista em saúde da mulher Maria José de Oliveira Araújo, duas das fundadoras da Rede Feminista de Saúde, destacaram na abertura do XI Encontro Nacional, em realização em Porto Alegre/RS, o papel significativo, histórico da Entidade na organização do movimento feminista brasileiro. “O momento em que a Rede foi criada, 1991, o país vivenciava os impactos do neoliberalismo com forte redução de investimentos na área da saúde da mulher, sob a perspectiva da integralidade, do respeito aos direitos sexuais e reprodutivos”, lembrou Betânia Ávila em rápida retrospectiva sobre o processo de criação da Rede Feminista de Saúde.

Para a socióloga e coordenadora do SOS Corpo – Gênero e Cidadania, de Pernambuco,”a criação da Rede, naquele momento foi estratégica e fundamental para a organicidade e mobilização do movimento de mulheres e feminista no país. E nesta caminhada de duas décadas, efetivamente a Rede alcançou reconhecimento nacional e internacional “. Betânia Ávila reconhece que há ainda muitos desafios a ser superados “passando pela concretização efetiva de políticas públicas que ofereçam acesso a serviços de saúde de qualidade para todas as mulheres, propostas para a legalização do aborto, entre tantas outras demandas que contemplem a cidadania plena das mulheres”.

Em Porto Alegre, Unfpa mostra preocupação com os altos índices de mortalidade materna

Em Porto Alegre, o representante do Fundo de Apoio a População das Nações Unidas – Unfpa, Harold Robinson, afirmou que apesar dos investimentos e avanços registrados mundialmente, a morte materna segue sendo um dos maiores desafios para o alcance dos objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Ele foi um dos palestrantes convidados do Seminário do XI Encontro Nacional da Rede Feminista de Saúde focado na saúde integral das mulheres. De acordo com ele, cerca de 536 mil mulheres morrem, por ano, no mundo devido às complicações relacionadas à gestação, parto ou pós parto, ou seja, mais de 1.400 mortes a cada dia. O representante do Unfpa destacou, ainda, que além das mortes, os danos causados por cuidados inadequados prestados durante a gravidez, parto ou pós-parto atingem cerca de 16 a 50 milhões de mulheres anualmente. Para Robinson, “estes números são inaceitáveis” e afirmou ser necessário “um esforço coletivo para enfrentar as questões pendentes e concretizar os princípios estabelecidos pelo Programa Cairo para que cada mulher possa decidir quando quer ser mãe e o número de filhos que deseja ter”.

Rede mantém sua crítica às políticas do Governo

Na abertura do seminário do XI Encontro Nacional da Rede Feminista de Saúde, a secretária executiva Telia Negrão afirmou que apesar das prioridades do governo federal em relação a graves problemas, como a atenção à saúde materna, ao câncer de mama e colo de útero, e a algumas medidas em relação à violência contra asmulheres, estas ações não têm sido suficientes para “abarcar uma agenda que implica na implementação de políticas de atenção integral, que vem tendo, algumas vezes, por parte do governo uma visão enviesada”. Ela enfatiza que a Rede não é contra o Programa Rede Cegonha, mas, sim, ao lugar estratégico de substituto da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres”.

Telia disse, ainda, que, ao longos desses 20 anos, a Rede Feminista tem se mostrado atenta na elaboração crítica, no controle social e no monitoramento das políticas públicas, “mas reconhecemos que os canais estão obstruídos para a ação cidadã sobre estas políticas no atual momento do Brasil”. E sobre esta situação, a secretária executiva demandou às participantes do seminário “a necessidade de refletir e aprofundar sobre quais as estratégias devem ser definidas para enfrentar este embate”.

Telia Negrão aproveitou o momento para fazer referências ao manifesto divulgado pela Campanha 28 de Setembro – Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto – que acenou uma avaliação de esperança, considerando mais os avanços do que os riscos para as conquistas obtidas pelo movimento de mulheres e feministas. E nesse sentido, lembrou que pela primeira vez o Comitê das Nações Unidas para a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação à Mulher – Cedaw, se pronunciou firmente sobre o Caso Alyne, uma brasileira, negra, vítima da omissão do sistema público de saúde. Um outro aspecto positivo também considerado pela Campanha 28 de Setembro é que em vários países da América Latina e Caribe a “mortalidade materna de mulheres por aborto inseguro vem sofrendo algumas reduções em razão do uso do misoprostol por conta e risco das mulheres, porque conseguiram acessar informação sobre o medicamento, embora ainda obtido de forma clandestina”.

Sobre a pauta do Seminário que foca a saúde das mulheres negras, contida num documento nacional e prevista como uma política transversal, a secretária executiva da Rede Feminista de Saúde salientou que esta é uma agenda “que deve ser vista como prioridade, tornada vísivel e implementada”. O racismo, afirmou Telia, é uma dimensão ainda não compreendida pelos políticos e pelas políticas públicas e por quem as deve implementar e executar. “É uma dívida que nos envergonha”, ponderou.

Vera Daisy Barcellos – Jorn.Reg.Prof. 3.804

Fonte: Universidade Livre Feminista

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