Os palancas negras

A seleção angolana de futebol conseguiu a façanha de me fazer voltar a ser torcedora. Ficou a lição de que nem sempre perder é fracassar

FONTEO Globo, por Ana Paula Lisboa
A escritora e ativista Ana Paula Lisboa (Foto: Ana Branco / Agência O Globo)

Não foi o 7 x 1 que me frustrou, inclusive eu estava dormindo durante o jogo contra a Alemanha. Lembro que acordei várias vezes com os gritos e rojões, tantas vezes que achei que estava sonhando, porque não era possível tantos gols em um só jogo.

As tretas do futebol carioca, os escândalos (inclusive sexuais) envolvendo nossos principais jogadores e toda a confusão, remoções e roubalheiras em que o Rio de Janeiro se meteu para sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 me deixaram totalmente desiludida com o esporte.

Sinceramente, nem sei se torço pra algum time neste momento. Logo eu, que ficava acordada até tarde às quartas-feiras, assistindo ao Botafogo com meu tio Aloísio, que decidi ser vascaína justamente no ano em que o Vasco foi vice do Flamengo pela terceira vez consecutiva.

Eu, que só não escolhi ser tricolor porque na época infelizmente estava afastada do meu pai. Mas mesmo não sendo, não resisti e comprei a camisa em homenagem ao Cartola ano passado. Eu, que chorei a primeira vez em que pisei no Maracanã, no Pan de 2007, levei um pedaço da grama para casa e guardei na geladeira por semanas.

Hoje fico entediada e até irritada assistindo a qualquer jogo. Aliás, quase qualquer jogo. A seleção angolana de futebol conseguiu a façanha de me fazer voltar a ser torcedora.

O atacante angolano Zini celebra a vitória da Seleção de futebol de Angola contra a Namíbia na Copa Africana de Nações — Foto: KENZO TRIBOUILLARD

Os Palancas Negras, como são conhecidos os jogadores, na verdade foram as zebras da competição. Apesar da sempre vibrante e esperançosa torcida angolana, pouco antes do início da Copa Africana das Nações, ninguém esperava muito dos resultados.

Mas ao que assistimos foram jogadores centrados, que encantaram o país. Como brasileiros, sabemos o poder nacionalista e mobilizador do futebol, a capacidade de nos fazer esquecer, mesmo que só por 90 minutos, todos os problemas da vida. Por aqui não foi diferente, alguém brincou que nem estava mais ligando para os buracos no asfalto ou para a desvalorização da moeda.

Seleções favoritas do norte do continente, como Argélia, Egito e Marrocos, ficaram pelo caminho, e todos tiveram que assistir à vibração daqueles que só tinham uma caixa de som e um sonho.

Do “neida” foram chegando mensagens de apoio de figuras importantes, premiações em dinheiro feitas por bancos, iPhones, relógios, massagens. Mas para as quartas de final, o que os jogadores pediram foi que fosse enviado um avião com torcedores para a Costa do Marfim, país sede da competição.

Infelizmente, o sonho acabou na última sexta, com a derrota para a seleção da Nigéria. Ninguém gosta de perder, mas o jogo foi tão equilibrado e bonito, que não houve um angolano que não encarou a partida como uma vitória e celebrou a trajetória dos Palancas Negras.

No domingo, os jogadores foram recebidos como heróis em Luanda, com direito a desfile em carro aberto. Foi impossível até pra mim, uma descrente do futebol, não se emocionar com um “futebol raiz”.

Fica o gostinho de que podia ter durado mais um pouco, uma sensação do merecimento e do desejo angolano de ter novas trajetórias heroicas e inspiradoras, que traduzam os desejos contemporâneos do continente mais antigo do mundo, mas com a maior quantidade de jovens.

Fica também a lição do esporte com a capacidade de nos unir por um ideal, numa direção, “um só povo, uma só nação.” E de que nem sempre perder é fracassar.

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