Pandemia COVID-19 e as mulheres

Imagem: Isso que chamam de amor é trabalho não pago/ Artista: Ailén Possamay

Todos sabemos apontar e compreender, mesmo com as muitas mudanças ocorridas, os já estabelecidos papéis de gênero, onde às mulheres caberia o lugar de “cuidadoras”, de “donas de casa”, de principais responsáveis pelos domicílios e pelas famílias.

Por Marlise Matos. no Anpocs

Imagem: Isso que chamam de amor é trabalho não pago (Artista: Ailén Possamay)

Em tempos de pandemia da COVID-19, infelizmente, esses papéis podem mais uma vez atuar contra as próprias mulheres, colocando-as ainda mais em risco e vulnerabilidade. Basta olhar para qualquer hospital, Unidade de Pronto Atendimento ou Posto de Saúde para perceber que as mulheres são a imensa maioria da força de trabalho na área da saúde. Wermelinger et al (2010) identificaram, a partir dos dados censitários do Brasil sobre a nossa força de trabalho em saúde, o fenômeno da feminização da força de trabalho na saúde. Dos trabalhadores de nível superior nessa área elas são 90,39% entre as enfermeiras; 95,31% entre as nutricionistas, e, no entanto, entre os médicos, elas representam apenas 35,94%. Já, entre os profissionais de nível médio elas são 77,88% das técnicas em fisioterapia e afins, 78,03% das atendentes de enfermagem, parteiras e afins, e 86,93% das técnicas e auxiliares de enfermagem. A situação do Serviço Social é praticamente idêntica.

Isso nos informa que são ELAS que estão agora mesmo na linha de frente do combate e do enfrentamento à COVID-19. Informa também que continuam abaixo nas hierarquias profissionais. Daí nos perguntamos: e com quem estão seus/suas filhos/as? Quem cuida delas e dos seus quando chegam em casa e não podem ter contato direto com suas próprias famílias?

Também sabemos que são elas que, a partir da condição de isolamento social, estão realizando, para além do trabalho remoto, os trabalhos domésticos, estão entretendo as crianças confinadas, estão cuidando da higienização e da alimentação das famílias. Nas comunidades e periferias desse país imenso, são elas que estão nas lideranças das ações de mitigação e de enfrentamento ao avanço da COVID-19, estão se mobilizando e mobilizando suas comunidades para essa guerra, correndo riscos e se colocando ainda mais vulneráveis. Sabemos também que a violência doméstica deve se intensificar no contexto desse confinamento e nessas condições atuais do enfrentamento e precisamos agir agora contra esse fenômeno.

Se elas estão em todas as linhas de frente do combate a essa pandemia, porque não estão nos principais postos de decisão e comando que deliberam as sobre as ações e os caminhos a se tomar?

As mulheres são, simplesmente, essenciais na luta contra a pandemia. E é absolutamente fundamental garantir que exista uma dimensão feminista e de gênero em todas as respostas a serem dadas nessa pandemia. É necessário e urgente que se desloquem recursos suficientes para responder às necessidades das mulheres e das meninas nesse contexto, especialmente para as principais trabalhadoras da saúde e do serviço social; é igualmente necessário estarmos ainda mais atentas e alertas à escalada das violências a que elas podem estar sujeitas nesse contexto e é preciso preveni-las. Ou seja: é urgente que as mulheres tenham poder, que elas estejam diretamente envolvidas e participando ativamente em todas as fases de resposta e em todas as tomadas de decisão relativas a essa pandemia, sejam estas locais, estaduais, regionais, nacionais e internacionais.

Somos, cada uma de nós, capazes de cuidar e somos capazes também de agir criticamente para transformar. A mudança que se espera vislumbrar no mundo e na civilização pós-COVID-19 envolve, todavia, o reconhecimento e o protagonismo político-social de todas nós, mulheres. E o momento desse movimento é agora.

 

Marlise Matos é Professora Associada do Departamento de Ciência Política e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM) da UFMG.

 

Referências:

WERMELINGER, M. et al. “Feminilização do Mercado de Trabalho em Saúde no Brasil: focalizando a feminização”. Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 45, p. 54-70, maio 2010.
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Este texto é parte de uma série de boletins sequenciais sobre o coronavírus e Ciências Sociais que está sendo publicada ao longo das próximas semanas. Trata-se de uma ação conjunta que reúne a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e a Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul (ACSRM). Nos canais oficiais dessas associações estamos circulando textos curtos, que apresentam trabalhos que refletiram sobre epidemias. Esse é um esforço para continuar dando visibilidade ao que produzimos e também de afirmar a relevância dessas ciências para o enfrentamento da crise que estamos atravessando.

A publicação deste boletim também conta com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC/SC), da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia (ANPEGE), da Associação Nacional de Pós-Graduação em História (ANPUH), da Associação Nacional de Pós graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (Anpoll) e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur).

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