Para trabalhar e sustentar a família mulheres precisam de creches, diz Neca Setubal

Presidente da Fundação Tide Setubal afirma que parte da redução das desigualades passa por construção de infraestrutura básica para bebês e crianças

FONTEPor Antonio Temóteo, do Exame
Neca Setubal (Taba Benedicto / Estadão)

Contribuir para a redução das diversas desigualdades que existem no Brasil e lutar pela melhora da educação para crianças e adolescentes é o trabalho de Maria Alice Setubal, mais conhecida como Neca Setubal. Acionista do Itaú Unibanco, ela tem dedicado ao longo da vida tempo e energia para ajudar governos e empresas a desenvolver projetos e políticas públicas em regiões periféricas para melhorar a qualidade de vida dos mais vulneráveis.

Em entrevista à EXAME, a presidente do conselho curador da Fundação Tide Setubal afirma que as reformas educacionais feitas por diversos governos foram equivocadas e permitiram que milhões de jovens deixassem a escola e nem tivessem condições de trabalhar. Neca ainda diz que o debate sobre o ensino técnico e profissionalizante no Brasil foi ideologizado.

“Por muito tempo tivemos equívocos nas reformas educacionais e um preconceito com os ensinos profissionalizante e técnico. Muitas vezes ideologizando esse debate ao falar que a sociedade queria ensino técnico para pobres e ensino superior para os ricos. Também acho o ensino técnico foi mal desenhado”, afirma.

Desigualdades são “multisetoriais e multifacetadas”

Para ela, a educação é o vetor fundamental na melhora da qualidade de vida das pessoas, mas sozinha não vai resolver todas as questões já que as desigualdades “são multisetoriais e multifacetadas”.

“Uma desigualdade leva a outra e são interconectadas. As desigualdades do nível socioeconômico interagem e são potencializadas por desigualdade de gênero e sociais. As desigualdades têm cor. O governo deveria centrar esforços na reforma tributária. Centrar esforços no ponto da concentração de renda. A reforma tributária da renda tem que tratar do imposto progressivo. É necessário discutir com a sociedade, mas na direção na questão do imposto progressivo”, disse.

Mesmo com o processo de transição demográfica em curso no país, Neca defende que o Brasil precisa de mais creches para que mulheres possam trabalhar. Segundo ela, antes de escolas serem reformadas para se tornarem hospitais e casas de apoio para idosos, o governo precisa atender a demanda por infraestrutura para bebês e crianças para que as famílias garantam o sustento.

“É verdade que está ocorrendo uma mudança demográfica, mas ainda estamos longe de transformar escolas em hospitais. O Brasil ainda não universalizou o acesso a creches, ao atendimento a primeira infância. Ainda temos uma busca ativa por crianças e adolescentes fora das escolas por fazer. O Brasil tem uma lacuna para preencher com a oferta de creches para mulheres entrarem no mercado de trabalho, dada a situação de pobreza e desigualdade, com mulheres chefes de família. Para trabalhar e sustentar a família, essas mulheres precisam de creches”, afirma.

Desigualdades são “multisetoriais e multifacetadas”

Para ela, a educação é o vetor fundamental na melhora da qualidade de vida das pessoas, mas sozinha não vai resolver todas as questões já que as desigualdades “são multisetoriais e multifacetadas”.

“Uma desigualdade leva a outra e são interconectadas. As desigualdades do nível socioeconômico interagem e são potencializadas por desigualdade de gênero e sociais. As desigualdades têm cor. O governo deveria centrar esforços na reforma tributária. Centrar esforços no ponto da concentração de renda. A reforma tributária da renda tem que tratar do imposto progressivo. É necessário discutir com a sociedade, mas na direção na questão do imposto progressivo”, disse.

Mesmo com o processo de transição demográfica em curso no país, Neca defende que o Brasil precisa de mais creches para que mulheres possam trabalhar. Segundo ela, antes de escolas serem reformadas para se tornarem hospitais e casas de apoio para idosos, o governo precisa atender a demanda por infraestrutura para bebês e crianças para que as famílias garantam o sustento.

“É verdade que está ocorrendo uma mudança demográfica, mas ainda estamos longe de transformar escolas em hospitais. O Brasil ainda não universalizou o acesso a creches, ao atendimento a primeira infância. Ainda temos uma busca ativa por crianças e adolescentes fora das escolas por fazer. O Brasil tem uma lacuna para preencher com a oferta de creches para mulheres entrarem no mercado de trabalho, dada a situação de pobreza e desigualdade, com mulheres chefes de família. Para trabalhar e sustentar a família, essas mulheres precisam de creches”, afirma.

Neca Setubal, em entrevista exclusiva à EXAME (Foto: Leandro Fonseca)

Leia abaixo a entrevista completa com Neca Setubal

O Brasil avançou no combate às desigualdades?

Se a gente olha um filme, nas últimas décadas, o Brasil avançou, sem dúvidas, no combate às desigualdades. No curto prazo, entretanto, o Brasil passou por uma grande queda social. Voltamos para o mapa da fome. Os dados mostram que nos anos 2000 houve uma queda pequena das desigualdades, mas isso já se reverteu. Isso é algo que deveria nos indignar todos os dias, um número grande de pessoas passando fome. Isso é inaceitável em um país como o Brasil.

Entre as desigualdades existem qual delas precisa de mais atenção no Brasil?

As desigualdades são multisetoriais e multifacetadas. Uma desigualdade leva a outra e são interconectadas. As desigualdades do nível socioeconômico interagem e são potencializadas por desigualdade de gênero e sociais. As desigualdades têm cor. O governo deveria centrar esforços na reforma tributária. Centrar esforços no ponto da concentração de renda. A reforma tributária da renda tem que tratar do imposto progressivo. É necessário discutir com a sociedade, mas na direção na questão do imposto progressivo.

As questões de raça e gênero são importantes e as empresas têm que ter compromissos. As empresas, voluntariamente, têm assumido compromissos com metas para ter mais pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência e LGBT. São questões de inclusão e diversidade. Esse deve ser um compromisso de empresas estatais e privadas. As questões de desigualdades são centrais no Brasil e no mundo. Passam pelas desigualdades sociais, de renda, raça e gênero.

As desigualdades educacionais no Brasil também são um problema que precisa ser enfrentado?

A educação é o vetor fundamental no combate às desigualdades, mas sozinha não vai resolver todas as questões. O Brasil avançou muito na educação. Antes de 1988 a gente tinha um dado que me impressionada muito, que apenas 18% dos alunos que entravam na 1ª série chegavam a 8ª serie. As pessoas falam que a escola pública era boa, de qualidade. Isso uma grande ilusão. Era para poucos e excludente. Era para poucos naquele momento. Poucos também completavam o ensino médio. Hoje, nós temos uma escola pública que dá acesso maior para jovens e crianças.

Mas também temos uma evasão no ensino médio e um problema de qualidade. Meu ponto é que temos desigualdade na educação. Avançamos no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), mas o indicador mostra uma média. E é possível melhorar a média melhorando as notas dos melhores. Quem está embaixo continua embaixo. Agora estamos em um momento de rever o Ideb. Isso está em discussão no Congresso e no governo. O meu ponto é que nunca vamos avançar de verdade para educação de qualidade para todos se a gente não levar em conta que tem que dar conta dos alunos que estão para baixo, que tem nível socioeconômico mais baixo, negros, de escola pública, de periferia, do Norte e do Nordeste.

O Brasil também tem um contingente expressivo de jovens que não estudam e não trabalham. A sociedade errou com essa geração?

Por muito tempo tivemos equívocos nas reformas educacionais e um preconceito com os ensinos profissionalizante e técnico. Muitas vezes ideologizando esse debate ao falar que a sociedade queria ensino técnico para pobres e ensino superior para os ricos. Também acho o ensino técnico foi mal desenhado. No governo Lula, quando houve abertura de cotas e ampliação de acesso para universidade pública, por meio do Prouni, do Fies, deveríamos antes ter feito uma reforma para o ensino profissionalizante. Na reforma do ensino médio, que está em debate, temos a oportunidade de rediscutir o ensino técnico e profissionalizante. Nas pesquisas feitas e nas audiências públicas os jovens querem um ensino profissionalizante. Isso não impende que eles acessem também a universidade. O ponto é que não é qualquer ensino profissionalizante e nem um ensino precarizado.

O ensino profissionalizante sério considera a vocação da cidade, do estado e da região. A demanda do Norte é diferente da demanda do Sul e do Centro-Oeste. Não é jogar os alunos para fazer contabilidade ou administração. É uma conexão entre o que os jovens querem e com o mercado de trabalho. Hoje amadurecemos para oferecer um percurso para o ensino técnico de acordo com o mercado de trabalho. Não é oferecer qualquer coisa. Exige o mapeamento do mercado de trabalho e usar a inteligência técnica para pensar a aluno com seriedade. Pensar no estudante é essencial nesse processo.

A mudança demográfica do país vai nos levar a transformar escolas em hospitais?

É verdade que está ocorrendo uma mudança demográfica, mas ainda estamos longe de transformar escolas em hospitais. O Brasil ainda não universalizou o acesso a creches, ao atendimento a primeira infância. Ainda temos uma busca ativa por crianças e adolescentes fora das escolas por fazer. O Brasil tem uma lacuna para preencher com a oferta de creches para mulheres entrarem no mercado de trabalho, dada a situação de pobreza e desigualdade, com mulheres chefes de família. Para trabalhar e sustentar a família, essas mulheres precisam de creches.

Para a mulher não depender só do Bolsa do Família, que não sustenta uma família, precisamos de creches. Na minha opinião, não chegou o momento de escolas se tornarem hospitais. Ainda temos que construir creches, escolas de tempo integral. O governo Lula aumentou a carga horaria dos alunos. Escolas de tempo integral demandam mais investimentos e precisamos de mais escolas. O planejamento precisa ser de longo prazo para não serem construídas escolas demais.

O governo tem conseguido colocar os pobres no orçamento para reduzir as desigualdades?

A questão das desigualdades deveria ser observada em todos os programas de governo. Um exemplo disso é o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Deveria ser um componente do programa avaliar se as obras têm impacto na redução das desigualdades. A construção de pontes ou de creches vão reduzir as desigualdades. O orçamento público e o PPA [Plano Pluri Anual] deveriam considerar as desigualdades, quanto das obras está impactando a questão das desigualdades direta ou indiretamente. O gestor público deveria responder essa questão. Quanto o orçamento está sendo usado de maneira efetiva no combate às desigualdades?

Na Fundação Tide Setubal trabalhamos junto com a Secretaria da Fazenda do município de São Paulo a regionalização do orçamento. A Câmara Municipal aprovou um projeto para regionalizar o orçamento. As subprefeituras mais pobres recebem mais recursos que as mais ricas. Esse recurso vai mais para quem tem menos. Na área de educação, as escolas mais problemáticas estão nas periferias. Nesses locais deveriam ter os melhores professores, mais materiais didáticos e atenção das secretarias. Mas o que acontece é o contrário. É preciso dar mais para quem tem menos. É muito concreto. A pressão da sociedade é essencial para que isso ocorra.

São Paulo terá eleições municipais em 2024. O que você diria aos candidatos?

Chamaria a atenção de todos eles para as questões das desigualdades nas periferias. As desigualdades de habitação e saneamento. A infraestrutura das periferias é precária e a população destas áreas estão segregadas, deixadas de lado. A cidade de São Paulo está muito malcuidada. Os últimos governos, de diferentes partidos, olharam da porta para dentro. Agora é hora de pensar da porta para fora, questões de moradia e saneamento básico. Há questões básicas de segurança, as pesquisas mostram que há 11 anos segurança não era o principal problema da cidade e voltou a ser o principal problema. Em qualquer lugar há sensação de insegurança.

As questões de fome e pobreza também são importantes e muito tristes. Há uma questão da Cracolândia que é muito séria em são Paulo. Não me pergunte como resolver. É uma questão complexa, mas precisa ser enfrentada. O quarto ponto é a questão da educação. A saúde, com filas de cirurgias e necessidade de atenção para questões de saúde mental que precisam ser enfrentadas. Estamos vendo todos os dias casos de saúde mental de jovens e adultos. Dentro da saúde tem um acúmulo de cirurgias que precisam ser feitas.

Outro ponto é a inclusão produtiva, que é um grande desafio para colocar em pé um programa para pessoas de alta vulnerabilidade. Essa pessoa precisa ter o básico para sobreviver, uma formação básica. Ela tem que ter uma renda mínima para sustentar a família, onde morar para que consiga encontrar um emprego ou empreender. Isso não é obvio, não é fácil e exige alinhar a questão econômica com assistência social. Isso exige ima política intersetorial. Não adiante dizer que o empreendedorismo vai resolver. Se essa pessoa é mulher que precisa cuidar dos filhos, como ela vai empreender? Se não tiver apoio e renda mínima ela não sobrevive. Só assim ela pode empreender.

As questões ambientais também estão ligadas ao combate às desigualdades?

O grande desafio que passa pelas desigualdades é a questão ambiental. Há uma questão de justiça ambiental que atinge os mais pobres. Os mais atingidos pelas enchentes estão em regiões mais pobres. Quando falamos de desigualdades, temos que pensar nas questões climáticas. Nas emergências climáticas que estão acontecendo nas cidades. As enchentes são um problema nas cidades e nas periferias. A questão da infraestrutura é fundamental para o próximo prefeito de São Paulo e passa por resolver problemas que decorrem das questões climáticas. Esse é um desafio brasileiro e passa por resolver as questões da Amazônia. Finalmente o Brasil encarou que a Amazônia é brasileira. É onde a gente agrega valor para o mundo. A Amazônia que nos traz um valor para o mundo e onde a gente pode fazer a diferença. É muito complexo fazer com que a Amazônia entregue valor com vários projetos de economia inclusiva, produtiva e economia verde. Existem grupos que têm uma agenda contrária a isso. Uma agenda muito desenvolvimentista que passa por cuidar menos da floresta e colocar gado, soja e avançar a mineração. É deixar avançar na floresta. A gente tem um sério problema de preservar a Amazônia que é um grande valor para o Brasil e para o mundo.

Como a senhora enxerga o Brasil que será dos seus netos?

Eu enxergo para os meus netos e quero um Brasil mais justo. Tudo que a gente faz na fundação e os movimentos que eu faço parte, as instituições que faço parte dos conselhos, do grupo Itaú, eu procuro atuar para que as instituições façam a diferença onde atuam para criar um país diferente. Um país inclusivo, mais igual, menos elitizado, um país em que realmente os governos representem as pessoas. Precisamos de mais gente negra nos governos, com mais mulheres, onde o Congresso e o Judiciário representem a população de maneira menos desigual. Eu realmente acredito nisso. Eu não vou sair daqui, não vou mudar de país, não faço parte dos que vão se mudar. Eu vou ficar no Brasil, faço parte dos que vão ficar e vão buscar uma solução para o país.

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