‘Perdemos cada vez mais meninas e jovens’, diz pesquisadora

Pesquisadora Jackeline Romio avalia como positiva participação da delegação brasileira em cúpula no Quênia Foto: Divulgação/

Jackeline Romio participou da Nairóbi Summit e aponta os principais desafios para mudar o cenário de violência no Brasil

Por Roberta Salomone, do O Globo

Pesquisadora Jackeline Romio avalia como positiva participação da delegação brasileira em cúpula no Quênia (Foto: Divulgação/Retirada do site O Globo)

Doutora em Demografia pela Unicamp, Jackeline Romio desenvolveu uma metodologia para entender os casos crescentes de feminicídio e liderou pesquisas sobre violência doméstica e as questões das mulheres negras no Brasil. Convidada do Nairóbi Summit, ela aponta os principais desafios para mudar o cenário de violência no país.

Como avalia a participação do Brasil em Nairóbi e como o país pode se aproximar dos compromissos firmados?

Acho que a participação foi muito positiva. Houve a elaboração de um posicionamento da sociedade civil que denunciou o governo e sua omissão à pauta da legalização do aborto, assim como do desmonte dos mecanismos de defesa das mulheres. O governo brasileiro vem, sistematicamente, descumprindo ou deixando de agir sobre o avanço da consolidação dos direitos das mulheres. E penso que esse padrão conservador da governança brasileira seja compartilhado com diversos outros países, sobretudo os latino-americanos.

Outro ponto é a necessidade de deixar mais evidente que a criminalização do aborto é hoje uma política que incide quase que exclusivamente no adoecimento e na morte de mulheres periféricas, negras e indígenas.

Sobre violência doméstica e feminicídio: como é a situação do Brasil frente aos outros países?

No Brasil, o alto índice de violência doméstica é uma problemática antiga, mas que vem se tornando muito mais letal, com o aumento de casos de feminicídio registrados. Perdemos cada vez mais meninas e jovens para a violência. E existe um impacto crescente das armas de fogo na caracterização desse novo padrão. Isso tende a se complicar devido às novas leis de afrouxamento dos requisitos para a posse e o porte de armas e, como é sabido, o grupo que mais monopoliza as armas e a violência é o de homens. Por isso, é extremamente importante barrarmos o avanço da indústria armamentista no Brasil e das leis que compactuam com isso. O governo deve ser responsabilizado pelo contexto favorável às violações de direitos humanos das mulheres que vem criando, inclusive, por meio de discursos públicos que influenciam e estimulam os homens para a naturalização da violência misógina, homofóbica e racista.

Quais são os maiores desafios para enfrentar e reduzir as estatísticas de feminicídios?

Precisamos de políticas de atenção integral e mecanismos de defesa dos direitos das mulheres ameaçadas, assim como precisamos acabar como o sexismo e o racismo institucional, especialmente nos aparelhos de segurança pública. Além disso, é fundamental atenção integral às vítimas de violência doméstica e sexual, punição aos discursos de ódio misógino, especialmente os proferidos por figuras públicas, bem como os de grupos virtuais organizados. Também precisamos de mulheres em cargos de poder, de equidade de gênero e raça nos currículos escolares para criarmos uma nova geração de cidadãs e cidadãos comprometidos com a paz.

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