A perseguição é contra os abusadores, não contra os homens

BEVERLY HILLS, CA - JANUARY 07: ( L-R) Actor Meryl Streep, activist Ai-jen Poo, actor Natalie Portman, activist Tarana Burke, actors Michelle Williams, America Ferrera, Jessica Chastain, Amy Poehler and activist Saru Jayaraman attend the 2018 InStyle and Warner Bros. 75th Annual Golden Globe Awards Post-Party at The Beverly Hilton Hotel on January 7, 2018 in Beverly Hills, California. (Photo by Joe Scarnici/Getty Images for InStyle)

“Espero que a moda de denúncia sexual não chegue ao Brasil”, disse Danuza Leão em um (triste) artigo no jornal “O Globo” depois do bombástico Globo de Ouro. Danuza, eu ia dizer justamente o oposto: tomara que este movimento americano inspire e fortaleça as brasileiras a denunciarem seus abusadores. Tomara que sejamos contaminadas por esse senso de justiça e tenhamos coragem de encarar nossas delegacias tão despreparadas para esse tipo de caso. Tomara também que se crie uma rede que fortaleça as mulheres a dizer “agora chega: Vamos, sim, expor e denunciar quem cruzar a linha”.

por Lia Bock no Blog da Lia Bock

Catherine Deneuve também intercedeu em favor dos pobres homens injustiçados: “Os homens têm sido punidos sumariamente, forçados a sair de seus empregos, quando tudo o que eles fizeram foi tocar o joelho de alguém ou tentar roubar um beijo”, diz o texto do manifesto que ela assinou juntamente com outras artistas francesas e publicou no jornal francês “Le Monde”. Quase chorei e pensei: será que ela leu o relato de Salma Hayek? Nos tantos casos o pau de fora, a invasão no quarto, a perseguição, a intimidação… na verdade era tudo paquera? A gente é que entendeu mal?

O texto das francesas tem lá seu propósito, quer evitar que arte seja confundida com pedofilia e que comportamentos sexuais sejam vistos como abuso. Mas não, Catherine: nós sabemos exatamente o que é paquera (até porque também paqueramos!) e basta ler os infindáveis textos sobre os casos americanos para percebermos que aquilo não tem nada a ver com flerte.

Homens, não vistam a carapuça

Dizer que o movimento feminista está perseguindo os homens é uma inversão total de papéis. E mais: é uma generalização bestial. Lembremos: os perseguidos são os assediadores e os estupradores. Não vistam a carapuça se vocês não fazem parte deste grupo, ok?

E se esse grito de basta fere os rapazes de forma geral, é porque talvez seja hora de repensar a masculinidade, de falar sobre comportamentos limítrofes e sobre cultura do estupro (que como eu já disse num texto recente, não tem nada a ver com o estupro em si, mas com a naturalização da violência sexual).

Já reduzir os assédios ao ato infantil de roubar um beijo é tão preocupante quando dizer que uma mulher só foi estuprada porque estava de saia curta ou fora de casa à noite. Culpar e desqualificar a vítima é uma tática antiga que conhecemos bem. E pra ela direi apenas: não passarão.

Raiva, mentira e vingança

Isso não significa que algum homem não tenha sido injustiçado por uma mulher movida por vingança. Raiva e mentira movem a humanidade desde sempre. Mas jogar todo mundo nessa vala é tão (mas tão) ingênuo que soa maligno.

Nunca achamos que seria fácil e nem que todas as mulheres se curvariam às demandas da igualdade de gênero, mas uma coisa é certa, Catherine e Danuza: brigaremos por vocês e por suas filhas e netas também. Porque brigamos por todas nós. Lutamos por um futuro onde “elogio na frente de uma obra” (como diz Danuza) seja o nosso maior problema. Por ora fiquemos com o fato de que uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no Brasil.

Estejam do lado certo: aquele que separa homens de criminosos.

-+=
Sair da versão mobile