Política cultural e liberdades individuais

Fonte: José Luiz Herencia

O MinC não acredita numa mudança da produção para o consumo, mas no investimento equilibrado em todo o sistema cultural


EM ARTIGO publicado nesta Folha no último dia 20 (“Acesso à cultura”, “Tendências/Debates”), o coordenador de Fomento e Difusão da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, André Sturm, reproduz um diagnóstico produzido pelo próprio Ministério da Cultura.
Para o MinC, o acesso à produção cultural deve ser uma meta das políticas públicas para o setor. Como Sturm, reconhecemos que os governos federais adotaram como política cultural um único instrumento (que entendemos como parte dela) e transformaram a Lei Rouanet em uma espécie de monólogo da renúncia fiscal.

Não é por outra razão que criamos o projeto de lei que institui o vale-cultura, parte integrante de um conjunto de políticas culturais sem precedentes no país. Ao lado, entre outros, do projeto de modernização da lei federal de fomento e incentivo, o Estado brasileiro está assumindo um novo ciclo de responsabilidades em relação à cultura e às artes no Brasil.

Como esta Folha destacou em editorial recente (Opinião, 28/12/09), a proposta de uma nova lei da cultura está na direção correta, qual seja, a de desenvolver uma verdadeira economia da cultura no país e “estimular o investimento capitalista, (…) e não o mero redirecionamento de tributos para o setor”.

Para atender toda a diversidade cultural brasileira, foi preciso, também, diversificar os mecanismos de investimento e apoio.
Se a simples renúncia fiscal é mantida, outras modalidades testadas internacionalmente -como os “endowments”, doações incentivadas para fundos permanentes- surgem para garantir que instituições, fundações e equipamentos como museus e centros culturais possam se tornar sustentáveis no Brasil.

E os Ficarts, fundos em que os investidores se tornam sócios de um projeto cultural, ganham agora a atratividade que os fará sair do papel.
Com um orçamento anêmico, somado à ausência -até o início do governo Lula- de parcerias com instituições como IBGE e Ipea para a produção de indicadores sobre o campo cultural, encontramos um ministério à míngua: sem instrumentos de planejamento nem recursos para investir em políticas públicas para o setor.

Como o referido editorial notou, o Fundo Nacional de Cultura é “um forte instrumento para fazer política cultural”. Como parte dessa transição, o novo FNC chega fortalecido já em 2010: mais de R$ 800 milhões que serão aplicados diretamente na produção cultural, com bolsas, prêmios e editais para todos os setores, da música às artes visuais, do patrimônio ao teatro.
É nesse cenário de ampla oferta de bens, serviços e conteúdos culturais que o vale-cultura, que já nasce como política de Estado, ganha expressão.

Na razão contrária do que deseja Sturm, o MinC não acredita numa mudança radical de foco da produção para o consumo, mas no investimento equilibrado em todo o sistema cultural, estimulando a um só tempo a democratização do acesso e a promoção da excelência artística. E isso sem tutelar o cidadão, que deve ter garantido seu direito de escolher qual livro, qual disco, qual ingresso adquirir.

Espanta-nos, portanto, que, apesar de sua importância, o programa Vá ao Cinema possua elementos de teor dirigista, impedindo que seus beneficiados assistam, por exemplo, a filmes estrangeiros, como se apenas da produção nacional se formasse um repertório. Para a saúde de nossas políticas públicas, preferimos a preservação das liberdades individuais.

Não há, como no emplasto de Brás Cubas, uma cura para todos os males do mundo. Assim, se o campo cultural é complexo, as políticas culturais precisam avançar em direção à complexidade.

Não é por outra razão que apoiamos importantes iniciativas, como a recuperação da Fundação Bienal de São Paulo, uma das mais importantes instituições brasileiras no mundo (e a realização de sua 29ª edição, que oferecerá para 1 milhão de pessoas acesso gratuito à arte contemporânea), a construção da Biblioteca São Paulo no antigo Carandiru e a Companhia Brasileira de Ópera, que, sob a direção do maestro John Neschling, vai levar o melhor da produção operística para todo o Brasil.

É preciso reconhecer o que é produzido pela sociedade e investir tanto em pontos de cultura (300 em São Paulo só em 2009) quanto em equipamentos culturais de ponta, como o Projeto Brasiliana da USP, que vai disponibilizar para todos a fantástica biblioteca reunida por Guita e José Mindlin.

 

Fonte: Folha de S. Paulo

-+=
Sair da versão mobile