Por que a classe média sofre tanto?

Que email fofo que a Adri me mandou!… Eu respondo lá embaixo.
 
1 a 1 a a a a cm vc amanha tadinho nao tera empregada
 
 

“Querida Lola, como vai? Conheci seu blog no ano passado fazendo uma pesquisa sobre a Marcha das Vadias e amei. Virei leitora assídua dos seus posts! 

Meu nome é Adriana, sou mineira, moro em BH e tenho 16 anos. Gosto muito do jeito como você escreve, você encanta quem te lê!
Eu gostaria de te perguntar uma coisa, que não entendo e já perguntei para várias pessoas que também não souberam me explicar. O seguinte: por que a classe media brasileira tanto reclama? E do que reclama?
 
 
 

Esta dúvida me apareceu depois de ver os protestos de junho pelo Brasil. Não que eu ache que o movimento pela queda dos preços na passagem de ônibus não seja justo, mas a grande maioria das pessoas que vi nas passeatas estavam protestando contra o governo Dilma e sempre reclamando dos impostos que a classe média paga, pedindo a volta do PSDB. Todos os meus amigos que participaram diziam a mesma coisa: ‘Fora PT! Acabem com o bolsa família! A classe média paga muitos impostos!’

 
 
 

Eu sou classe média. Estudo em escola particular aqui em BH, tenho acesso à diversão e tecnologia. Mas sei que minha família trabalha bastante para me dar estas coisas, enquanto vejo amigos cujos pais são ricos e não têm a mesma dificuldade. E são justamente eles que mais reclamam do governo. Mas por quê? A minha grande dúvida mesmo é: era realmente melhor para a classe média no governo FHC?

 
 

Meus pais são comerciantes, tenho mais duas irmãs mais velhas (32 e 30 anos -– sou a raspa do tacho!) e todos sempre trabalharam muito, seja na época do FHC ou agora. Meus pais não sabem dizer exatamente se antes do governo Lula era melhor para eles ou não, só sei que o nosso padrão de vida hoje é muito melhor.

 
 

Meus pais não prestam muita atenção em política. Votaram na Dilma e no Anastasia ao mesmo tempo, então eu cresci bem apartidária. Não sei ainda dizer se sou de direita ou esquerda. Não me lembro do governo de direita no Brasil, mas pelo menos não posso reclamar do governo Dilma.

 
A não ser por uma empregada doméstica que já não temos porque está difícil achar gente de confiança (classe média sofre, eu sei!), não tem nada que nós não tínhamos há 16 anos, muito pelo contrário.
 
 
 

Minhas irmãs entraram facilmente na UFMG, graças à escola particular que meus pais pagaram. Sei que hoje com as cotas para escolas públicas, pra mim poderá ser mais difícil, mas meus pais já ofereceram para pagar PUC se eu precisar. Quando minhas irmãs prestaram vestibular nem PUC elas tentaram porque meus pais não teriam condições de mantê-las. Não acho ruim o governo ter reservado as cotas para a escola pública, mas todos os meus amigos na escola estão revoltados. O engraçado e que eles querem cursos que nem têm na UFMG, teriam que ir para uma faculdade particular mesmo! 

 
 
 

Quando minhas irmãs fizeram 15 anos o sonho delas era ir pra Disney, e eu pude fazer isto no ano passado. Aliás, a minha família inteira viaja pra fora do Brasil já há algum tempo, coisa que ninguém nem imaginava que um dia faria. Todas as minhas amigas da escola, até mesmo as mais pobres, já foram pra Disney. Os alunos mais ricos passam férias na Europa todo mês de julho, inclusive perdendo semanas de aulas (a escola chegou a cogitar a possibilidade de termos férias de verão em junho e julho para coincidir com o verão do hemisfério norte).

 
 
Meus pais sempre tiveram um carro básico e agora têm um carro importado. Há cinco anos temos um bom plano de saúde, coisa impensável no passado.
 
A minha dúvida nisso tudo é: o governo do PT melhorou a vida apenas da minha família? Para algumas pessoas piorou? Mas se piorou não é isso que eu vejo! Todo mundo ao meu redor está ‘mais rico’!
 
Perguntei a alguns professores na escola e a única coisa que eles me respondem é que a classe média paga muitos impostos. Mas aumentaram depois do PT? Sempre foram os mesmos? Qual a diferença?
 
 
 

Pelas pesquisas que fiz, parece que a educação piorou, mas ensinos fundamental e médio não são da responsabilidade dos estados? SP e MG são governadas pelo PSBD há anos! Mesma coisa com relação à violência; segurança não é de responsabilidade do estado?

 
Juro que não entendo! Será que você poderia me responder? Estou extremamente frustrada por não encontrar essas respostas com meus professores.
 
Muito obrigada por ler este email. Um grande beijo!”
 
 
 

Minha resposta: Adri, que gracinha que vc é! É muito interessante que vc não vá na onda de todo mundo que te rodeia e não faça coro à toda essa classe média que tanto sofre. 

 
Eu, vc, e a maioria dos leitorxs aqui do blog (e de qualquer blog, arrisco dizer) somos classe média. Se bobear, somos até classe média alta. E, ao contrário do que diz a classe média, e que você já percebeu, é uma maravilha ser classe média. Temos um bom lugar pra morar, temos opções de lazer, temos algum acesso à saúde, temos educação de boa qualidade, não precisamos nos preocupar com comida, temos um carro, o que significa que já levamos imensa vantagem de ir e vir num país que não dá a mínima pro transporte público. Sério mesmo, ser classe média é o que há. 
 
 
 

Seria melhor ser rico? Provavelmente. Mas aí a gente precisaria pensar no que faria, no que teria, se fosse rica. Não trabalharia? Viajaria mais? Comeria mais chocolate? (Não, só se eu fizesse um transplante de fígado). Deixaria de passar por todas essas privações pelas quais a gente já não passa? Convenhamos: nossa vida boa não ficaria tanto melhor.

 
 
 

O bom de ser classe média é que a gente depende pouco do governo, qualquer governo. Eu vivi durante a ditadura militar, Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma. Estou vivendo na minha sétima cidade agora e, salvo um breve período em que meu pai ficou desempregado e minha família mergulhou na incerteza, sempre fui classe média. E minha vida sempre foi bem igual. Quer dizer, hoje, depois de fazer mestrado e doutorado e virar professora universitária, meu salário dobrou. O maridão e eu gastamos mais que gastávamos em Joinville (hoje temos plano de saúde), mas nossa vida em geral é parecida. 

 
 
 

Hoje estou na faixa mais alta de imposto de renda, pra quem recebe acima de 47 mil reais ao ano. Pago 27,5% de imposto sobre o que ganho. Não acho injusto. Afinal, são os impostos que pagam educação, saúde, segurança etc.

 
O que acho estranho é que quem tem salário acima de 47 mil ao ano paga 27,5%, a mesma coisa de quem recebe, sei lá, um milhão ao ano. Pra mim, quanto mais se ganha, mais se deveria pagar de imposto. Sou totalmente a favor do imposto sobre grandes fortunas e heranças, por exemplo. Mas a classe média é esquisita. Ela se identifica com os ricos, não com os pobres. Ela realmente acha que tem mais em comum com um bilionário que com o mendigo da esquina, tolinha. E não é só aqui, é em todo lugar. 
 
 
 

Olha só os EUA. Em 2011, Obama tentou aumentar os impostos daqueles que ganham mais de um milhão por ano.

 
Essa alta só afetaria os 450 mil americanos mais ricos (0,3% da população!), e geraria uma receita extra de 1,5 trilhão de dólares por ano. Foi o bilionário Warren Buffett que deu a ideia, depois de notar que, em 2010, ele pagou US$ 6,9 milhões em impostos. Parece muito, mas foi apenas 17% da sua renda. No entanto, seus empregados pagaram entre 33% e 41% de taxas. 
 

Só que toda vez que se fala em aumentar impostos, a classe média (qualquer classe média) faz um escândalo, ainda que aquele aumento não afetará seu bolso. E foi isso: o projeto não passou. Ninguém paga menos impostos que os ricos.

 
 
 

No Brasil, ninguém paga mais impostos que os pobres. Então, se a classe média realmente quiser reclamar (e reclamar é diferente de protestar), deveria parar de defender os ricos e exigir que eles paguem mais impostos, ué.

 
 Isso é distribuição de renda, uma questão de justiça: os ricos pagam mais. Não é lógico? Mas a classe média acha que está no mesmo barco dos ricos, e odeia os pobres. Daí vem também o ódio à Bolsa Família, às cotas sociais e raciais… Boa parte da nossa classe média é contra a distribuição de renda, o que é de uma idiotice sem tamanho. Nosso país seria muito melhor pra todosse houvesse justiça social.
 
 
 

Praticamente todos os indicadores sociais apontam que o Brasil melhorou muito nos anos com o PT. Poderia, e deveria, ter melhorado muito mais, se o governo Dilma ousasse mais e honrasse seus ideais de esquerda, em vez de se aliar à direita em nome da “governabilidade”. Mas PSDB nunca mais. Sei que pra vocês muito jovens é difícil lembrar, porque vcs eram crianças quando FHC foi defenestrado, mas o que me recordo dos anos FHC é que ele passou o primeiro mandato aprovando a emenda da reeleição, e o segundo acabou com um vergonhoso apagão. 

 
 

Mas, pra mim, por ser classe média, os anos 90 foram bons. Eu só sofri no bolso quando entrei no mestrado e vi que o valor da bolsa estava congelado havia oito anos!

Mas não tem como ficar comparando o governo FHC com os do PT pra sempre. A realidade da “herança maldita” (os problemas que o PSDB deixou ao país) não é mais assunto. Em 2014 os eleitores não vão comparar a administração de Dilma com a de um governo que acabou doze anos atrás. Vão comparar com o que deveria ser.
 
 
 

Saiu uma notícia esses dias que corrobora a ideia de que a classe média está sofrendo. Na última década, o salário médio de quem estudou mais de doze anos (ou seja, a elite intelectual do nosso país) caiu 8%, descontada a inflação. A média geral da população cresceu 22%, mas cresceu mais pra quem tem até quatro anos de estudo. Se a renda de quem tem menos escolaridade cresceu 32% em dez anos, e a de quem tem mais diminuiu 8%, isso reflete para reduzir a desigualdade. É o que faz a classe média reclamar que não se encontra mais uma empregada, ou que elas ficaram muito caras. 

 
 
 

Ainda assim, pergunta pra uma empregada se ela não trocaria a vida dela pela nossa num piscar de olhos. Então eu acho que é isso: a classe média sofre porque não reconhece seus privilégios. Porque finge que não sabe que classes mais baixas adorariam estar no lugar dela. Já eu torço pra que todo mundo seja classe média. Inclusive os ricos.

 
 
 

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Fonte: Escrava Lola Escreva
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