Porque é que um só homem odeia tanto todas as mulheres? Por medo

Racismo, xenofobia, sexismo, homofobia. Não falta nada no discurso autodenominado de neomasculino, com o cunho do blogger norte-americano Roosh V. A socióloga Sofia Aboim, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, falou com o Notícias ao Minuto sobre as origens deste tipo de ideologia.

Por  ANABELA DE SOUSA DANTAS, do Notícias ao Minuto 

“O valor de uma mulher depende de forma significativa na sua fertilidade na sua beleza. O valor de um homem depende de forma significativa nos seus recursos, inteleto e caráter”. Este é o quinto ponto de um pseudo-manifesto que se pode encontrar na parte biográfica do site online de Roosh V, o blogger norte-americano que se tornou mais falado no início do mês por defender a violação das mulheres quando em propriedade privada.

Daryush Valizadeh, de 36 anos, promoveu encontros em mais de 43 países para seguidores da filosofia cujo cunho atribui a si mesmo: a neomasculinidade.

A pergunta é: De onde vem um discurso tão extremado, com tanto ódio pelas mulheres, pelos homossexuais e pelos muçulmanos? Sofia Aboim, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, falou com o Notícias ao Minuto e esclareceu alguns pontos.

O poder feminino que “transformou os homens em comedores de iogurte”

Para entender a ideologia de Roosh V, é preciso entender um determinado enquadramento. Sim, é um movimento radical extremo, mas um movimento que se enquadra noutros e que se manifestam desde os anos 80. “São os chamados movimentos masculinistas”, explica Sofia Aboim.

A socióloga começa por referir os movimentos feministas que começaram a surgir nas décadas de 60 e 70 e as correntes masculinas que surgiram depois como uma espécie de contrapeso. É neste contexto que surgem nomes como Robert Bly, autor de ‘Iron John: A Book About Men’ e criador do movimento mitopoético masculino no início dos anos 80.

Bly defendia, já naquela altura, que aos homens estava a ser roubada a sua autoridade pelo novo poder feminino, transformados por elas “em comedores de iogurte” e o movimento mitopoético fazia o elogio do homem da natureza, quase tribal.

Nos anos 90 surgiu a organização masculina ‘Promise Keepers’, fundada por Bill McCartney, um treinador de futebol de uma universidade do Colorado, nos Estados Unidos. Agora com encontros em vários países, preconizam algo como a ‘virilidade bíblica’.

“Em Portugal não temos muito consciência disso, mas nos Estados Unidos por exemplo já acontecia. Este movimento é apenas mais um”, indicou Sofia Aboim.

A sociedade e a política na formação de uma ideologia conservadora

No caso de Roosh V, encontramos um discurso mais extremado, até mais violento, seja contra as mulheres, contra os homossexuais ou contra os muçulmanos. A investigadora chama a atenção para a conjuntura política e social atual, citando os progressos em termos de direitos para os homossexuais, o drama dos refugiados e a ameaça do terrorismo para o mundo ocidental.

“Não é por acaso que a extrema-direita está a ter mais adeptos. Nesta reviravolta de valores onde se misturam o racismo, a xenofobia, o sexismo, a homofobia e uma série de preconceitos e convencionalismos numa cultura de ódio contra a igualdade. Alguns homens brancos, e não é por acaso que [Roosh V] também é branco e muito provavelmente de classe média, sentem-se atacados no seu privilégio”, afiança a socióloga.

A ameaça feminina e o medo do desconhecido

O traço mais polémico da filosofia de Roosh V é a questão do direito a violar as mulheres em propriedade privada. Sofia Aboim esclarece que se trata de “uma objetificação das mulheres” e do retomar “do direito dos homens ao corpo das mulheres, que sempre foi uma questão muito contestada”.

A ideia do blogger será implementar a “conquista do espaço do homem como ‘pater familias’, o patriarca, aquele que tem o poder. (…) É claramente um discurso de resistência de grupos conservadores que se sentem lesados pelas mudanças sociais que estão a acontecer no mundo”.

A investigadora destaca aqui o delicado contexto americano, o país de origem do blogger, com o quadro político em mudança e com todas as tensões externas, entrando aqui também a questão de existir uma forte candidata à presidência norte-americana, Hillary Clinton, uma mulher.

“Estamos num momento de confronto de ideias muito diferentes daquilo que deve ser o mundo. Pessoas como esta que têm este tipo de ideologia, encontram um espaço social que na minha opinião é dominado pelo medo, o medo do outro, o medo da diferença”, termina Sofia Aboim.

 

 

Leia Também: 

A objetificação da mulher e a naturalização do machismo na mídia

 

 

-+=
Sair da versão mobile