Precisamos parar de proteger homens famosos

Em maio deste ano, Amber Heard divulgou um comunicado sobre as acusações de violência doméstica que fez contra o ex-marido Johnny Depp.

Por  Zeba Blay, do Huffington Post

Um representante da atriz falou de “anos de abuso psicológico e físico” que Heard teria sofrido e do fato de que muitas vítimas de abuso não se pronunciam imediatamente.

“Como resultado da decisão de Amber de não falar ao Departamento de Polícia de Los Angeles, seu silêncio tem sido usado contra ela pela equipe de Johnny”, disse o comunicado. “Amber não falou à polícia numa tentativa de proteger sua privacidade e a carreira de Johnny.”

O fato de Heard ter de divulgar um comunicado desse tipo, uma declaração se defendendo veementemente na “Corte da Opinião Pública”, é um testamento da maneira equivocada com que abordamos as ações de homens famosos.

No circo de mídia que envolve a briga pública de Heard e Depp, há um senso geral de incredulidade, uma descrença de que Depp poderia atacar sua mulher.

Porque, segundo sua filha, sua ex-mulher e seus amigos famosos, Depp é a pessoa mais doce e amável do mundo.

Porque Amber Heard era só uma interesseira, usando Depp para impulsionar sua carreira, manipulando-o em benefício próprio.

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Porque ela foi vista sorrindo na saída de uma reunião com seu advogado, então deve ser tudo invenção dela.

Amber Heard
Só sorrisos depois de reunião

As preferências sexuais de Heard, suas aspirações de carreira e o fato de que ela foi vista sorrindo são completamente irrelevantes. Nenhuma dessas coisas justifica o abuso, tampouco provam que ela esteja mentindo.

Não se trata de uma história de “mocinhos e bandidos”. Depp pode ser a pessoa mais doce e amável do mundo no contexto de seus outros relacionamentos, e ainda assim ser violento (especialmente se álcool e drogas estiverem envolvidos). Heard pode muito bem ser uma manipuladora louca por fama, e ainda assim ser vítima de abuso.

Esta não é a primeira nem será a última vez que uma mulher é submetida aos holofotes para proteger o legado e a reputação de um homem rico, famoso e poderoso.

Dos Bill Cosbys e Sean Penns aos Woody Allens de Holywood, vamos ignorar convenientemente os passados dos poderosos para manter as imagens nostálgicas e reconfortantes que temos deles.

Como os homens que amamos ver na TV e no cinema, que aprendemos a adorar como costumamos adorar figuras públicas, podem ser capazes de algo tão terrível?

É esse tipo de nostalgia que obscurece o fato de que Depp só recentemente sossegou na sua persona excêntrica — e aprovada pela Disney –, com braceletes e lenços de seda no pescoço.

Durante muito tempo, Depp era visto como um ator volátil, torturado, perigoso e, portanto, brilhante. A coisa do “jovem astro perturbado” era parte de seu apelo.

Johnny Depp depois do incidente em que destruiu um quarto de hotel.

Há uma foto de Johnny Depp de 1994 que resume essa ideia. Ela foi tirada talvez no auge de seu estrelato. Depp estava saindo de uma delegacia de Nova York. Usando um casaco de camurça marrom, camiseta branca e jeans, ele parece o James Dean da geração grunge, um cara mau, um fodão.

A expressão no rosto dele, parcialmente coberto com óculos escuros e gorro verdes, é de calma. Uma calma que esconde o fato de que apenas algumas horas antes, o ator, então com 31 anos, tinha destruído um quarto do Mark Hotel durante uma briga com a namorada, Kate Moss, causando prejuízo de 15 000 dólares .

O incidente não afetou a carreira do ator. Na realidade, pode até ter contribuído para sua imagem de rock star. Mas por que não é nisso que pensamos quando sabemos que Depp teria chegado em casa bêbado e agitado e atirado uma garrafa de vinho e um celular em Amber.

Sim, Depp não tem um histórico de abuso doméstico (público), mas ele já foi preso várias vezes por agressão.

As pessoas adoram dizer coisas do tipo: “Mas ele não foi condenado por nada até agora. Até que isso aconteça, não vou julgá-lo”.

Mas, queiramos admitir ou não, a “lei” tem muito pouco a ver como nós, enquanto cultura, pensamos nas celebridades, especialmente se forem homens.

Chris Brown foi condenado, mas ainda tem fãs que estranhamente reprimem o fato de que ele espancou Rihanna. E, é claro, quando alguém diz que não vai presumir a culpa de Depp, o subtexto é que Heard provavelmente está mentindo.

Temos de aceitar o fato de que Johnny Depp, como tantos outros homens em Hollywood, têm um poder imenso. Ele tem uma equipe de relações públicas estelar, além de contar com a boa vontade de amigos famosos e fãs que relutam a até mesmo considerar o fato de que ele tenha feito algo errado em seu relacionamento com Heard.

É essa falta de consideração que representa tudo o que há de errado com a maneira como essa história vem sendo contada. E esses temas ecoam na maneira como falamos da violência doméstica que não envolve celebridades – sempre partimos do princípio de que a mulher está mentindo.

No fim das contas, não se trata de dizer o que de fato aconteceu entre Heard e Depp, mas sim de termos discernimento em relação a essa proteção inconsciente que oferecemos aos homens em posição de poder. Porque, muitas vezes, não são eles que precisam de proteção.

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