Precisamos ser convencidos contra o racismo.

Ainda sou racista, homofóbico, preconceituoso quanto a todos os preconceitos solidificados no meio que tornou quem eu sou. Preciso ser convencido, sempre. Aquilo que minha razão já compreendeu precisa invadir toda minha alma e virar compreensão plena, indiscutível, a ponto de me tornar, intuitivamente, um ser igualitário.

A repulsa a negros, ou o simples pré-julgamento de alguém baseado na cor da pele não é um processo de todo consciente. Tantas campanhas antifóbicas que vêm sendo veiculadas, um trabalho diário de reestruturação do discurso sobre as diferenças, contribuem para o serviço de promoção da igualdade, mas há uma série de comportamentos preconceituosos entranhados nas relações humanas que são um discurso silencioso, mas formador de opinião.

Já viu algum negro usando uma camisa com a inscrição “100% NEGRO” e ficou indignado, pensando “por que eu não posso usar uma 100% Branco”. Bingo, você é racista. A afirmação de uma minoria, no sentido de construir uma imagem identitária mais valorosa não pode ser igualada à afirmação de um poder dominante e opressor. Manifestar o orgulho em pertencer a um grupo discriminado é mais uma atitude de fortalecimento dessa categoria que de discriminação dos outros grupos.

Cada vez é mais raro encontrar quem abertamente declare que Negros são inferiores a Brancos, em qualquer sentido que diga respeito a valor, mas esse fato não é sinônimo de que o preconceito não existe. O preconceito é um dos defeitos sociais mais graves da atualidade, o que dificulta em muito que identifiquemos suas sutis manifestações, pois ninguém quer ser visto como preconceituoso e ofendemo-nos grandemente quando alguém nos aponta esse defeito, sabemos que qualquer vacilo será execrado publicamente. Em toda piada, cada vez que ficamos ariscos por passar ao lado de um “neguinho” mal vestido, que nos surpreendemos com um artista negro (por ser negro), ou, com condescendência, achamos “bonitinho” o neguinho que luta por subir na vida, estamos sendo racistas.

“Eu sou contra as cotas para negros”, “eles devem ascender por seu próprio esforço”, “é uma forma de estimular a diferença”: chororô racista. Temos, além da responsabilidade pela inserção progressiva do negro e mestiço em todos os escalões sociais (acadêmicos, profissionais, culturais), o compromisso histórico de diminuir o déficit social desse grupo, isto é, em sua grande maioria, os afrodescententes brasileiros já nascem em desvantagem. Nós brancos classe-média, creditarmos nosso sucesso na sociedade às nossas próprias forças é de uma ingenuidade que beira à estupidez, não se pode negligenciar todos os fatores sociais que incidem facilitando ou dificultando seu acesso e sucesso. Explico: é muito mais fácil ser branco e bem sucedido que negro e bem sucedido, ainda em 2013, passados 125 anos da assinatura da Lei Áurea.

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Já nem é mais tão claro como nos referirmos a tal grupo, talvez como grupo da variante de pele mais escura, dada a irrelevância científica desse fator em relação a toda a constituição do indivíduo, mas o que a ciência vem contribuindo para elucidar ainda é um ranço poderoso no juízo de valores de praticamente todo cidadão humano. Não se transforma um código de valores estabelecido por séculos em poucas décadas. Por isso é necessário sermos convencidos diariamente, seja por camisas 100% negro, aumentando em um grau o valor dessa minoria, seja com a presença “facilitada” de afrodescendentes nos serviços públicos, universidades mais graduadas, na indústria do entretenimento.

Tenho muita vergonha de mim mesmo ao me perceber escapando um gesto, uma decisão, um medo proveniente da distinção física (seja por cor de pele, por beleza, por forma física, asseio, etc.), mas flagro pulsões desse tipo e sei que não sou único. Por mais argumentos que possua em favor da igualdade ainda verifico pulsões racistas em mim: Por favor, me convençam!

Escrevo este artigo em defesa de toda manifestação de valorização das pessoas cujo tom de pele incorre em distinção, por mais ridícula que possa parecer, por mais questionável juridicamente que possa parecer, por mais que parece injusta em relação a outros grupos, porque, por mais que “saibamos” que somos todos iguais, precisamos sermos convencidos disso de novo, sempre, até que não sobre resquício dessa distinção tão estúpida.

Fonte: Semema

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