Profetas do Caos

No seminário Multiculturalismo e Racismo: O Papel da Ação Afirmativa nos Estados Democráticos, realizado em Brasília, em 1996, sob o patrocínio do Ministério da Justiça e com discurso de abertura proferido por FHC, eminentes intelectuais favoráveis a essas políticas – incluindo Thomas Skidmore, Carlos Hasenbalg e Antônio Sérgio Guimarães – revelaram-se pessimistas quanto à sua adoção no Brasil num futuro próximo. Apenas cinco anos depois, contrariando essas previsões, era a aprovada a política de cotas das universidades públicas fluminenses, juntamente com algumas políticas, ainda tímidas, no âmbito do Governo Federal. A ideia alastrou-se rapidamente, e hoje são dezenas as universidades com alguma forma de ação afirmativa para negros, sem falar em medidas na área do funcionalismo público, como a recente lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

A lição óbvia a se extrair disso refere-se aos limites das ciências sociais como instrumentos de explicação da realidade. Como bem exemplifica o fracasso das previsões desses especialistas, que todos nós respeitamos pela qualidade de seu trabalho e pelas posições assumidas em favor da causa dos afro-brasileiros, ciência social não é futurologia. Se a sociologia e a antropologia ajudam a entender o passado e facilitam a compreensão do presente, o mesmo não se pode dizer em relação ao futuro. Marx é um bom exemplo disso. Indispensável quando se trata de explicar as origens e o funcionamento do sistema capitalista, sua obra falhou redondamente ao enxergar um futuro em que o comunismo seria o produto inevitável de engrenagens já em movimento.

O que nos remete à presente discussão sobre ação afirmativa no Brasil, e particularmente às previsões sobre “cisão racial” alardeadas por cientistas sociais que de há muito abandonaram o ideal da neutralidade científica para abraçarem como causa a defesa dos privilégios do grupo dominante, do qual por acaso são membros. Um de seus instrumentos prediletos tem sido a campanha de terrorismo intelectual que consiste na difusão de previsões apocalípticas, não apenas sem sustentação teórica suficiente, mas negadas quotidianamente pela realidade. Alguém aí já soube de conflitos raciais na UERJ ou na UENF, para ficarmos nas primeiras a adotarem, em 2001 – há mais de dez anos! –, o sistema de cotas para negros no vestibular? Quantos anos mais serão necessários para que eles reconheçam o crasso erro?

A postura desses intelectuais deve ser denunciada com ainda maior veemência em função da influência que as ciências sociais podem ter sobre a realidade. Quando alguém prevê que determinada política não apenas é prejudicial no presente, mas pode causar uma tragédia no futuro, está, ao menos potencialmente, contribuindo para a rejeição dessa política. A recusa em considerar a realidade – as pesquisas sobre desempenho e permanência dos chamados “cotistas”, já realizadas por diversas universidades, costumam ser liminarmente ignoradas – quando esta não se conforma a suas ideias é apenas uma das tristes facetas dessa empreitada de pessoas que se intitulam “cientistas”, mas que abandonaram a ciência em favor de uma ideologia que favorece o privilégio. Ainda bem que alguns deles reconhecem que já perderam…

 

 

 

 

Fonte: Lista Racial 

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