Permita-me fazer uma previsão: Se você é mulher, diariamente tem se embebedado em pequenas doses de culpa. E olha que não tenho o dom da premonição, muito menos sou sensitiva. Digo o que digo por experiência própria. O sentimento de culpa é uma epidemia social que contamina todas nós, mulheres. Não que os homens não sejam infectados – alguns até são – mas geralmente, eles vêm equipados de fábrica com algum mecanismo que minimiza os sintomas e qualquer sequela, o que não é errado, não vamos condená-los por serem assim. Inclusive deveríamos todos usufruir desse privilégio.
Ser mulher transpõe a condição física, hormonal e emocional. Ser mulher é, além de tudo, um cargo. Um cargo cheio de deveres, obrigações, responsabilidades, incumbências, provas, requisitos, condições, e o pior: expectativas. Um cargo que traz consigo uma carga pesada, mas que transportamos, talvez, na incumbência de nossa própria culpa.
Não importa a classe social, a profissão, a nacionalidade, a cor da pele, o credo. O sentimento de culpa é algo que permeia a realidade tanto de famosas, quanto de anônimas. Basta ser mulher que as diferenças se compatibilizam na culpa.
A mulher sente culpa por estar trabalhando e por não estar atendendo exclusivamente sua família. Sente culpa por ter decidido se dedicar à maternidade e não ao mercado de trabalho. Por não querer ter filhos. Por ter engravidado. Por não conceber. Por estar solteira. Por ter se separado. Por ter sido traída. Por ter sentido desejo. Por se manter em um relacionamento problemático com medo de que a outra pessoa se perca sem ela.
Sentimos culpa por estar muito gorda, por estar muito magra, pela bunda caída, pelos cabelos brancos que se multiplicam, pelo tempo “perdido” na academia, por comer lasanha no lugar de salada, por tomar dois chopp com as amigas – aliás, acredito que toda caloria ingerida em um happy hour se converte em culpa.
Culpa por estudar. Culpa por não ser qualificada o suficiente. Culpa por ser promovida. Culpa por ter uma condição financeira melhor que a dos pais. Culpa por ter um cargo superior ao do marido.
Culpa por sua sexualidade, por não gostar de sexo, por transar no primeiro encontro, por dormir enquanto deveria estar lavando a louça.
Culpa por não levar o filho todos os dias na escola, por não visitar os pais com frequência, por tirar férias ou por estar exausta.
Culpa por não ter preparado o jantar, por não ter desenvolvido a capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo, por não conseguir ler mentes também.
Culpa por dizer não. Culpa por satisfazer suas vontades. Culpa por ser como é.
A culpa é como uma tatuagem no rosto. Cada vez que nos olhamos no espelho, lá está ela, acenando entre nossas sobrancelhas, nos lembrando sobre o fato de não sermos super humanas.
Enquanto continuarmos a ouvir perguntas ou comentários maliciosos vamos continuar sentindo culpa.
“Será que ela não sente vergonha por vestir aquela roupa?”
“Ainda não se formou?”
“Quando é que você vai ter filhos?”
“Você não tem medo de que seus filhos gostem mais da babá do que de você?”
Agora me diga. Quantas doses de culpa você bebeu, apenas hoje?
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