Questões de calendário: calendas gregas & passagem do tempo

Foto: João Godinho

Por Fátima Oliveira

 

A chegada de um novo ano marca o alvorecer de um novo tempo e a possibilidade de melhores dias, nem sempre concretizáveis, mas a esperança é daquele tipo “vai que acontece?”. Há quem diga que é babaquice a euforia no romper do Ano Novo. Tenho sentimentos ambíguos a respeito. Depende da lua em que estou. No geral, acho que há o que comemorar ter “rompido” o Ano Novo. Em linguajar do sertão maranhense, romper o Ano Novo é a dádiva de estar vivo.
Logo, nem sempre a alegria é babaquice, a não ser quando as comemorações excedem os limites da diversão: “beber daquela vez como se fosse a última”…

No último 31 de dezembro, de plantão, não vi as queimas de fogos na TV, um espetáculo de rara beleza. Tirei um cochilo tão profundo que, quando acordei, todo mundo “zuava” de minha cara. Diziam que eu passaria 2011 dormindo, pois, ao bater das badaladas de zero hora, eu nem tchuns! Há uma lenda que reza que a pessoa tende a “passar o ano” que entra conforme o que fazia quando o ano entrou. É uma leitura cultural informada por uma gama de crendices. Porém, o que mais chama atenção na azáfama do Ano Novo é o verdadeiro pavor que muita gente tem de “passar o ano” sozinha quando o ano começa! Será por causa da lenda? A marcação do tempo por dias, semanas, meses e anos tem seu charme por ser um signo: de algum modo, é um chamado (ou um lembrete?) a rever as coisas felizes ou infelizes pelas quais passamos e talvez uma sábia maneira de dar um “tranco” natural, embora forçado, como um toque à reflexão, em meio à correria célere, em banda larga, do passar dos dias contemporâneos.

Calendário – do latim “calendariu” -, ao pé da letra, é a sequência de calendas, nome com o qual os romanos designavam o primeiro dia de cada mês. Na Grécia, não havia nome específico para o dia que abria o mês, então “calenda grega” é um tempo que não existe, que numa fala contemporânea chamaríamos de tempo virtual! Os calendários surgiram como resposta à busca de um meio de registrar o tempo. É muito nítida em minha memória a prática cultural do “Pague minhas alvíssaras”, que quando eu era criança dava a exata dimensão que era “dia de ano”, um novo ano e um novo tempo haviam chegado!

Enquanto escrevo, se apossou de minha mente uma amiga engraçada e genial, do tempo do Colégio Colinense (Colinas, MA), que, quando se referia às dificuldades de relacionamento com seus pais ou com o namorado, invariavelmente dizia que era apenas uma “questão de calendário”, pois “acontece, Fafá, que essa gente ainda não alcançou o calendário gregoriano (uso oficial universal: data de 24.2.1582, papa Gregório XIII, grifo meu!). Eles se regem pelos dos maias, dos astecas, dos hebreus, dos egípcios, dos romanos, dos gregos… Nem chegaram ao calendário juliano (data de 46 a. C., imperador romano Júlio César, grifo meu!)”. Ora, se viviam em calendários diferentes, desencontrar era a regra!

“Muda de calendário, amiga”, era o que Rosilda dizia quando achava uma ideia estapafúrdia. Por causa da mania dela com tipos de calendários, fui à biblioteca pesquisar as origens dos mesmos, e ler sobre eles virou uma paixão! Descobri que “questões de calendário” foram fontes de conflitos entre os povos, desde a mais remota antiguidade, e o consenso em torno da oficialização do calendário que nos rege, o gregoriano, não foi simples e é recente, data do começo do século XX.

Para explicar e justificar nossos desaventos resta a possibilidade virtual de optar por outro calendário. Felicidade em 2011!

www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=13894

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