Racismo recreativo: atualizando os estereótipos contra as mulheres negras

FONTEPor Maria Sylvia de Oliveira
Maria Sylvia de Oliveira (Foto: Natalia de Sena)

No último sábado, 18 de janeiro, o programa Caldeirão do Huck da Rede Globo trouxe como “atração” no quadro Gonga La Gonga a apresentação de um artista regional com uma boneca caracterizada de “nega maluca” – um estereótipo que reforça o lugar da mulher negra ridicularizada. 

Os episódios de desqualificação e de racismo em emissoras de TV se repetem o tempo todo, principalmente contra mulheres negras. Recentemente, no SBT, uma mulher negra foi discriminada no ar pelo apresentador Silvio Santos, o que lhe rendeu uma representação junto ao Ministério Público de São Paulo, sob a acusação de racismo. Na edição do reality show A Fazenda, no dia 05/11/19, uma participante negra sofreu ofensas racistas, na forma de injúria, por parte de um produtor da TV Record.

Emissoras de TV e de rádiodifusão são concessões públicas, têm disciplina constitucional prevista no art. 221, onde se verifica que essas deverão atender à princípios que dizem respeito à “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;…”. Essa mesma Constituição afirma, em seu artigo 1º , que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é “a dignidade da pessoa humana”, preceito que deveria ser respeitado por empresas, quaisquer que sejam os serviços públicos a serem explorados. 

Atrações como a veiculada no programa de Huck, no caso, a dança do artista com a “nega maluca”, uma fantasia jocosa à exemplo de ‘blackface”,  é combatida pela militância negra porque fazem representação extremamente negativa da mulher negra, estando “baseada na noção de que negros são moral, intelectual, sexual e esteticamente inferiores a brancos”, como afirma o jurista Adilson José Moreira na obra O que é racismo recreativo. (Polén, 2019, pag. 155)

Em alguns momentos, a Rede Globo se mostra atenta em trazer para o público em geral a temática racial de forma qualificada, e para exemplificar citamos a cena da novela “Amor de Mãe”, no último dia 11/01, onde a personagem Camila, uma professora interpretada magistralmente pela atriz Jéssica Hellen, diz que: “tenho que ser forte porque sou preta e a gente vive num país racista … eu tô cansada, mãe, eu tô cansada” (sic), dando a exata dimensão do quanto as mulheres negras são estigmatizadas numa sociedade estruturada pelo racismo e pelo sexismo.

Certamente ainda há um longo caminho a ser percorrido por essas emissoras de televisão que em geral não demonstram nenhuma preocupação em trazer para o debate público a temática racial, ao contrário, veiculam programas, principalmente de humor, notícias e policialescos que reforçam estereótipos e estigmas sobre a população negra.  

Por isso Geledès-Instituto da Mulher Negra, uma organização que tem como missão institucional a defesa de mulheres negras, repudia e denuncia o impacto negativo que representações hiperssexualizadas, caricatas e fantasias como a de “nega maluca” têm em suas vidas, principalmente no âmbito emocional, perpetuando seu histórico de desvalorização em nossa sociedade.  

Imagens como essas nos causam enorme constrangimento e indignação, pois ferem nossa auto estima e violam nossa dignidade. 

 

Maria Sylvia de Oliveira

Presidente de Geledès-Instituto da Mulher Negra

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