Sem a Discussão sobre as Cotas, Como Saberíamos Quem São os Racistas?

por Alex Castro

As cotas raciais para o ensino universitário são uma solução imperfeita e desastrada para resolver as gigantescas disparidades raciais do Brasil. Talvez sejam até mesmo a pior solução de todas – com exceção de todas as outras, naturalmente. (Assim como a democracia é o pior sistema político do mundo, com exceção de todos os outros.)

As disparidades raciais no Brasil podem ser encontradas em todos os setores da sociedade, do número de prisioneiros ao número de mortos por tuberculose, e as cotas raciais tratam somente de uma pequeníssima parte do problema, talvez nem mesmo a mais importante – o ingresso na universidade.

Entretanto, por enquanto, é o melhor que se conseguiu arranjar. Nos lugares onde foram aplicadas, longe de gerar segregação e ódio racial, as cotas promoveram distribuição de renda e ascensão socioeconômica.

(Ser contra as cotas porque elas “podem acirrar o conflito racial” é como contra as leis trabalhistas porque os patrões vão chiar!)

Em um país como o Brasil, onde até mesmo a auto-identificação racial é fluida e problemática, talvez o maior mérito das cotas seja justamente colocar em debate questões nacionais urgentissimas como: reparações para afrodescendentes, nossas enormes disparidades raciais, nosso racismo galopante e invisível.

Talvez o maior mérito das cotas seja justamente não permitir mais que raça seja o elefante na sala que os brasileiros podem se dar ao luxo de fingir que não existe.

Talvez o maior mérito das cotas seja justamente forçar os racistas a saírem do armário, fazer com que tenham que articular todo um discurso racista anti-cotas, explicitar o desconforto que grande parte da elite nacional sente com a perspectiva de os negros ocuparem um novo lugar na sociedade.

Eu comecei História na PUC e, depois, me transferi pra UFRJ noturno. Na PUC, todos meus colegas tinham cara de leite e vinham da zona sul – havia UM aluno negro, bolsista. Na UFRJ, ainda mais no turno da noite, quase todos trabalhavam durante o dia, moravam longe, eram afrodescendentes e pertenciam às classes C e D. O pessoal era politizado, articulado, sindicalizado, conscientizado.

Pra mim, já valeria a pena toda essa discussão sobre cotas só pra saber quais dos meus colegas politizados teriam a cara de pau de puxar uma musiquinha racista quando surgisse o assunto.

A principal função social da liberdade de expressão é: sem ela, como saberíamos quem são os idiotas – e os racistas, e os homófobos, e os reacionários, etc?

Fonte: Libertário

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