Sobre a necessidade de fortalecermos as nossas estruturas afetivas e emocionais frente ao Racismo

Hoje em dia sentimos muito medo de lidar com as nossas próprias frustrações. Vivemos sempre fugindo de qualquer experiência onde possamos experimentar o fracasso, o que significa quase sempre desistir de algo que estejamos fazendo, e que, comece a gerar conflitos e problemas. Esta forma de agir, além de nos fazer desistir muito facilmente das nossas lutas diárias e sonhos, também nos provoca certa dificuldade para a expor os nossos sentimentos, e, desta forma, tendemos a ser pessoas fechadas, daquelas que sempre dizem que estão bem quando na verdade precisam ser abraçadas, escutadas e cuidadas.

por José Evaristo S. Netto no Medium

Posso estar enganado, mas este panorama tem sido cada vez mais forte entre nós, negras e negros, talvez por conta da necessidade de sempre estar atento, de prontidão, avaliando se estamos sendo vitimas do racismo, sempre alertas a qualquer expressão de violência quando somos abordados por alguém, quando estamos passeando, trabalhando, estudando, até mesmo curtindo o nosso lazer, ou em quaisquer outros contextos da vida social. Vivemos sob a pressão do racismo e seus impactos, e esta pressão nos condiciona a cada vez mais nos fechar a uma relação afetuosa, carinhosa, e principalmente honesta com os nossos próprios sentimentos e necessidades.

Daí, fico pensando nas nossas necessidades, tentando entender a comunidade negra de forma geral. Irmãs e irmãos que envolvem-se em uma luta pessoal contra o “racismo social”, do dia a dia, mas que também tem necessidade de resistir aos seus impactos que destroem a autoestima, o “racismo psíquico”. O racismo é um fenômeno sociocultural, e por isso mesmo, também um fenômeno sociocognitivo, e isso significa que trás impactos para as relações sociais e também para a subjetividade e a psique das pessoas. Logo, a resistência ao racismo é tanto social, externa, quanto cognitiva e afetivo-emocional, interna. Os movimentos e comunidades/entidades negras investiram maciçamente na luta social contra o racismo, na luta política e ideológica feita nos grupos políticos, fóruns, centros culturais, praças, ruas, garagens, escolas e universidades. No enfrentamento ao impacto social do racismo! Isso foi, e é, fundamental! Mas percebo que pouco temos investido nas nossas necessidades internas, que dizem respeito ao efeito do racismo e seus impactos em nossa psique, em nossas estruturas internas — cognição, motivação, autopercepção, autoestima, autoimagem, autovalor, crenças de sucesso, capacidade de Amar, de confiar, de lidar com nossas frustrações e medos, de apoiar outros irmãos e irmãs e permitir sermos apoiados pela nossa comunidade.

Este singelo texto traduz uma problematização, onde o convite é refletir sobre os impactos do racismo nas nossas emoções e comportamentos. Talvez, nossos medos, nossa tendência ao autoboicote e a desistência, estejam justamente vinculados aos efeitos do racismo nos nossos afetos e emoções que, não sendo pensadas e problematizadas em nossos espaços de convívio, seguem cada vez mais enfraquecidos. Talvez por isso, muitos irmãos e irmãs, militantes ou não, têm dificuldades para relacionamentos, ou assumam opção de fugir de relações interpessoais profundas, que sugiram forte envolvimento afetivo. Talvez por isso, tenhamos tanta dificuldade em colocar em prática e viver um valor africano fundamental que sempre pronunciamos, mas que quase sempre não conseguimos experimentar de forma plena, Ubuntu, que se refere à fraternidade, à minha humanidade que só faz sentido compreendida de maneira interligada à sua humanidade, que se opõe àquilo que o racismo essencialmente provoca, a insensibilidade, e sua consequência, a desumanidade.

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