‘Violência contra a mulher é a violência contra a Natureza’

Imagem: Adobe Fotos - Geledés Instituto da Mulher Negra

“Na cultura africana a representação do feminino é muito mais ampla do que a ocidental, da mulher como ser biológico”, resume Paulo Fernandes, ator, bailarino, coreógrafo e disseminador da cultura Bantu no Espírito Santo.

por Paulo Fernandes no Seculário

Imagem: Adobe Fotos – Geledés Instituto da Mulher Negra

O feminino, essa potência, está ligada não somente à geração de vida humana, como genitora, mas ela também é a grande mãe terra, explica Paulo. “Ela é negra pela força que a própria melanina traz como resistência da sobrevivência e como uma luta de valores que na atualidade estão se perdendo”.

Já a própria palavra África não é de origem africana, esclarece, mas sim romana. Vem de “africare”, de fricção, de calor, e remete ao corpo quente, à sexualidade e ao prazer. O que explica essa visão reduzida da mulher negra, como objeto sexual, o que levou à escravização sexual das mulheres negra.

“O guizo usado nos pés que a Clara Nunes, ao cantar Morena de Angola, não está ligado à sensualidade, mas à escravidão sexual. Quando a mulher se levantava da cama pra tentar fugir, a escrava, o patrão, o capitão do mato saberia que ela estaria tentando fugir”, relata o pesquisador.

E, mesmo tendo sido abolida a escravidão, a redução da mulher negra como fetiche sexual prevalece, o que explica os elevados índices de homicídio contra mulheres negras e mesmo a violência obstétrica, que acomete mais essa parcela da população. “Eu vejo que do ponto de vista ocidental, essa visão reduzida é uma negligência, uma falta de conhecimento da própria ideia de natureza, ‘a’ natureza, como expressão do feminino’, relaciona.

Casas de cura

Paulo é filho de Laura Felizardo, matriarca da cultura Bantu no Espirito Santo, na foto ao lado vestida com cores e formas geométricas típicas da cultura africana, muito usada especialmente por mulheres de um dos subgrupos da Nação Bantu, que foi trazida para o Espírito Santo, as Ndbelle, mulheres construtoras de casas redondas e que usam roupas com estampas similares às utilizadas nessas “casas de cura”, como são chamadas as construções que remetem à fertilidade.

“As casas são normalmente circulares, porque remetem à relação da fecundidade, no sentido circular da gravidez, da barriga rotunda. E isso vai trazer primeiro a ideia da forma perfeita e segundo a ideia de que nessa casa redonda, as energias são diferentes, não há cantos, existe um fluxo de energia contínuo”, descreve.

As vestimentas, prossegue Paulo, são usadas “como uma condição de autopotência, de autoconhecimento, então a cor como caráter feminino, ela cura o feminino, que é a grande libertação do século XXI, dessa visão machista, autoritária e falicista”, critica. “A cultura grega está mostrando hoje ao que veio, essa negligência, essa autodevoração, essa loucura que a humanidade está. A gente não conseguiu evoluir exatamente por falta desse respeito com o feminino”, observa.

Cultura Bantu

As noções do feminino e da natureza a que Paulo se refere são oriundas da cultura Bantu, grupo étnico presente em 47 dos 55 países que integram o continente africano, todos na chamada África subsaariana, ou seja, ao sul do Deserto do Saara.

Entre eles, estão os países de língua portuguesa, Congo, Angola e Moçambique, de onde vieram os africanos que foram escravizados no Sudeste do Brasil e no Espírito Santo. A presença bantu no Espírito Santo e no Brasil é tamanha, com cerca de 1.800 termos – como cachimbo, caçamba, quiosque, camundongo – que a antropóloga Lélia Gonzalez afirma que nosso idioma não deveria se chamar português, mas sim “pretoguês”, diz Paulo.

“A grande percepção do feminino na cultura africana é que a mulher está ligada à natureza, e não fragmentada como no Ocidente. A mulher representa a própria terra. As deusas negras são a própria potência da terra, da terra fértil”, diz.

A diversidade dos bantus é a maior do mundo, com algo entre 300 e 600 subgrupos, assegura o pesquisador. “Os estudos não dão conta de estabelecer se são 300 ou 600”, explica. “E eles se espalharam pelo mundo. Eles estruturam a base, o primeiro contato do ferro e fogo é da área subsaariana. A tecnologia a evolução da África vem a partir dessa região, dos bantus”, informa.

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