Você sabia que existe uma lista de espera no mundo? Eu não. É difícil se dar conta dela estando no Brasil porque a gente é grande em terra e população. A gente prefere se enxergar como um povo criativo, inventor, “abençoado por Deus e bonito por natureza”. A gente acha que nada nos segura, que o tempo é nosso, que todas as portas estão abertas pra gente passar.
Afinal, temos o pulmão do planeta, a maior reserva de água doce do mundo, terras em que em se plantando tudo dá. Aparentemente não temos grupos terroristas ou armados, não temos guerras, bombardeios, grupos separatistas. Temos justiça, democracia, constituição. Um oásis de mais de oito milhões de metros quadrados.
Esses dias um amigo comentou assustado sobre o bombardeio ininterrupto na Faixa de Gaza e eu não tive coragem de contar pra ele sobre as noites que meu pai levantava de madrugada pra colocar a gente pra dormir no chão do quarto, por conta dos tiros. De dormir com as mãos no ouvido, da vez que uma bala atingiu a janela da sala e/ou da vez em que passamos uma semana na casa da saudosa Tia Maria, em Jacarepaguá, refugiados de guerra.
O tempo é um fio condutor e alguém precisa seguir esse fio e espreitar em que tomada ele está ligado.
Mussunda Nzombo e Manoela Grotz estreiam nesta quarta (18) aqui em Luanda a exposição “O futuro na lista de espera”. O encontro entre um angolano e uma alemã criou obras de arte digital generativa de inteligência artificial e realidade aumentada. Segundo o curador, Kabudi Ely, a exposição “constitui uma visão crítica estabelecida a partir da intertextualização entre conceitos simbólicos de elementos da natureza (água, ar, terra e fogo), indústrias da moda, política, ambiente, arquitetura e sociedade. Leva o espectador a se envolver, refletir e debater sobre impacto e transformações que as atividades humanas podem causar ao futuro.”
Fora tudo isso, tenho o privilégio de acompanhar de perto o trabalho do Mussunda e admirar o seu pensamento africano futurista. Foi das conversas com ele que me vi nessa fila.
Lembra aquela cena do “Titanic”? Mesmo prestes a afundar, as portas da segunda classe para o convés permanecem fechadas enquanto a primeira classe não entra nos botes. Depois, assistem de longe aos sobreviventes se afogarem no mar congelante. Condenam tudo, até têm uma lágrima no canto do olho, mas não há coragem ou movimento para acudir ninguém. A gente está assim há uma semana assistindo a bombardeios.
A gente está assim assistindo às operações na Maré. Até ontem, eram cinco dias e, segundo o ministro Flávio Dino, não há prazo para as operações acabarem. Também segundo o ministro, a Força Nacional ainda não entrou no conjunto de favelas porque o Ministério Público Federal questionou a falta de câmeras nos uniformes dos policiais. Ele garantiu que as câmeras serão compradas e implementadas como um projeto experimental. Eu simplesmente adorei a palavra experimental.
Enquanto a gente espera o experimento, milhares de moradores esperam poder sair de casa para trabalhar, 43 escolas esperam para abrir, 14 mil alunos esperam para estudar, o comércio espera para abrir, os doentes esperam para poder ir às clínicas da família, as clínicas da família esperam para funcionar, os médicos esperam para trabalhar, 140 mil pessoas na lista de espera. E a lista só cresce.