Por Djamila Ribeiro do Carta Capital
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul derrubou, em 28 de maio, um relatório favorável ao projeto de lei que proíbe o sacrifício de animais em rituais religiosos, de autoria da deputada Regina Becker (PDT). No último dia 12, a decisão foi reafirmada. A mesma CCJ aprovou um parecer contrário ao projeto, considerado inconstitucional, uma vez que a Constituição diz ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
O processo foi marcado por muitas confusões e agressões. Religiosos saíram às ruas para se manifestar contra o projeto. Defensores da causa animal no Rio Grande do Sul foram acusados de agredir uma senhora de 70 anos, além de proferir xingamentos racistas.
Jamille da Rosa, estudante e adepta de religiões de matriz africana desde criança, acompanhou todo o debate: “Houve tumulto nos dias de votação, incitação ao ódio, ameaças aos seguidores dessas religiões”, disse. “Queria ver esse ódio ser direcionado aos grandes frigoríficos e não às nossas religiões já perseguidas historicamente por conta do racismo”. A deputada estadual em São Paulo Leci Brandão (PCdoB) foi alvo de ameaças e insultos ao defender o arquivamento do projeto.
É necessário entender como as coisas funcionam para evitar preconceitos. Como diz Mãe Stella de Oxóssi no artigo Ritual e Sacrifício: “Não é nosso interesse forçar alguém a crer em nossas verdades, mas é nossa obrigação oferecer subsídios para ajudar as pessoas a ampliarem o conhecimento de suas mentes a fim de que seus corações possam ficar cada vez mais livres de preconceitos”.
Nessas religiões são sacrificadas aves e animais de quatro patas como bodes e carneiros. Não é verdade, como tentou-se espalhar, que se sacrificam gatos e cachorros, por exemplo. Esses animais são entregues em oferendas aos orixás e, depois, a carne é comida nas festas dessas religiões, o couro é utilizado nos atabaques. Os animais não são sacrificados “à toa”, há uma questão do sagrado, mas também prática. Não muito diferente de quem já compra sua carne abatida no açougue ou no mercado, por exemplo. “No dia em que os homens deixarem de ter na mesa galinha, galo, carneiro, porco, boi… naturalmente esses animais deixarão de ser ofertados aos deuses”, enfatiza Mãe Stella.
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É sabido o modo desumano pelo qual os animais são tratados nos grandes abatedouros e pela indústria da carne. Logo, faz sentido proibir o sacrifício nessas religiões enquanto a indústria fatura bilhões? Fora isso, católicos comem peru no Natal, peixe na semana santa, alimentos com carne são vendidos em quermesses. Isso também deveria ser proibido? Várias igrejas evangélicas possuem cantinas onde também se vende alimentos com carne, como proceder em relação a isso? Essa carne também vem de animais sacrificados. Eu vi muitas manifestações de pessoas a favor do projeto enquanto preparavam calmamente seus churrascos de domingo.
Com isso, não está se negando que a discussão do modo pelo qual os animais são tratados ou a questão política de ser vegetariano ou vegano. Se está colocando em xeque a hipocrisia da deputada Regina Becker em querer perseguir quem já é perseguido e fechar os olhos para os verdadeiros exploradores de animais. Se for para combater, que se combata quem verdadeiramente lucra com isso.
“Com o arquivamento desse projeto, vencemos a batalha para continuarmos a cultuar nosso sagrado, a nossa crença”, diz a estudante Da Rosa. “Armados com nossa fé e a nossa coragem advindos de nossa ancestralidade, perpetuados por nossos Pais e Mães de Santo, que curam nossas feridas e doenças, fomos às ruas mostrar que nossos tambores não serão calados”, afirma.
Enfim, sacrificou-se a hipocrisia.
Foto:Toninho Oliveira / Prefeitura de Campinas