Empresas podem proibir que funcionários usem tranças no trabalho? Garçom denunciou injúria racial em restaurante

Jovem de Belo Horizonte (MG) disse que foi impedido de trabalhar por causa das tranças que tinha no cabelo. Entenda quando exigências de empresa podem se tornar discriminação.

FONTEDo G1

O depoimento de um garçom de 25 anos, que denunciou ter sido vítima de injúria racial no restaurante japonês onde trabalha, repercutiu na internet nesta semana. Higor Antero contou ao g1 que foi impedido de cumprir seu expediente por causa das tranças que havia feito no cabelo.

O caso ocorreu em Belo Horizonte (MG), no último sábado (19). Higor disse que foi constrangido por uma das sócias na frente de outros colegas e que, ao relatar o episódio por WhatsApp para uma funcionária da contabilidade, foi questionado se trabalhava na “Feira Hippie” (veja os prints ao final da reportagem).

Mas, afinal, será que as empresas podem fazer exigências em relação à aparência física dos funcionários? Quando isso pode ser considerado discriminação?

Especialistas ouvidos pelo g1 dizem que a lei trabalhista permite códigos de vestimenta, mas destacam que nenhuma exigência pode ferir a liberdade individual, sob risco de se tornar dano moral (confira abaixo uma lista do que as empresas podem exigir).

Sobre padrões de cabelo, barba e outros aspectos físicos, “a jurisprudência trabalhista entende que somente é permitido exigir quando houver justificativa plausível (como para trabalhador da saúde)”, explica a advogada Claudia Abdul Ahad Securato.

A advogada Luana Pereira, especialista em direito antidiscriminatório no PMR Advocacia, também explica que alguns casos são vistos como discriminação por conta da raça, etnia ou religião e podem ser considerados racismo.

Quando a situação é vivida dentro da empresa, a recomendação da especialista é que a vítima busque a Justiça do Trabalho.

Além disso, a empresa não pode estabelecer um código específico para determinada pessoa ou grupo porque isso pode configurar discriminação.

A advogada Claudia explica que a companhia tem que garantir que todas as pessoas sejam tratadas de forma igualitária, “independentemente de sua aparência física, religião, orientação sexual, etnia, gênero ou qualquer outra característica pessoal”.

Os especialistas também ressaltaram que, caso haja a necessidade de fazer qualquer orientação para um funcionário específico, se ele não cumprir o código de vestimenta, por exemplo, a conversa deve ser realizada de forma privada, sem exposição ou constrangimento, e guiada por um profissional de RH.

O que as empresas podem exigir

Conforme a legislação brasileira e a interpretação dos especialistas ouvidos pela reportagem, é possível uma companhia decidir ou sugerir padrões, mas respeitando os limites constitucionais e o bom senso.

✅ A empresa pode:

  • determinar o padrão de vestimentas, como adotar um estilo formal ou semiformal, por exemplo;
  • exigir o uso de uniformes, se forem fornecidos pela própria companhia;
  • exigir medidas de higiene;
  • enviar comunicados com guias de estilo e recomendações;
  • conversar individualmente com os funcionários que não seguirem as recomendações, sem expô-los e com tratamento baseado na gentileza e educação.

❌ A empresa não pode:

  • sugerir ou exigir qual corte, tipo ou cor de cabelo o funcionário deve ter;
  • sugerir ou exigir tamanho ou tipo de barba se não for uma questão ligada à função;
  • exigir que a roupa, sapatos ou acessórios sejam novos;
  • exigir como deve estar a capinha, película ou qualquer outro aspecto do celular ou outro material de uso pessoal do colaborador;
  • constranger o funcionário que não estiver de acordo com o código de vestimenta.

O ‘padrão’ do cabelo profissional

Géssica Justino relatou ao g1 que já foi constrangida por sua supervisora ao adotar os dreads (Foto: Reprodução)

A situação vivida pelo garçom Higor Antero em Belo Horizonte (MG) não é um caso isolado. A ex-atendente Géssica Justino explica que já foi constrangida por sua supervisora ao adotar os dreads.

Segundo ela, a mulher disse que aquele cabelo “não era padrão da empresa” e (também) que parecia “mais um cabelo para uma feira hippie”.

Bruna Campos é de Itapetininga (SP) e fazia seleção para agência de modelos (Foto: Arquivo pessoal)

Antes disso, em Itapetininga, no interior de São Paulo, a modelo Bruna Campos denunciou um episódio de racismo ao divulgar nas redes sociais um áudio que recebeu do responsável pela seleção de modelos de uma agência.

Na conversa, o funcionário da agência diz que ela seria perfeita para trabalhar como recepcionista de um evento em um restaurante, mas pergunta o que ela poderia fazer para diminuir o volume do cabelo, para ser “mais discreta”.

Para Luana Genót, especialista em diversidade e inclusão em empresas, “existe uma régua [invisível] no mercado de trabalho sobre qual é o padrão do cabelo profissional, que exclui mulheres de cabelos cacheados ou crespos”.

‘Você trabalha na Feira Hippie?’

O garçom Higor Antero contou que, após ser impedido pela chefe de trabalhar, ele entrou em contato com Vânia Beatriz Takahashi Castro, responsável pela contabilidade no restaurante.

Porém, em conversas trocadas no WhatsApp, a mulher mostrou concordar com a gestora e afirmou: “você trabalha com japonês e não com brasileiro que é oba-oba” (veja imagens abaixo).

Prints mostram troca de mensagens entre Higor e Vânia (Foto: Arquivo pessoal)
Prints mostram trocas de mensagens entre Higor e Vânia (Foto: Arquivo pessoal)
Prints mostram trocas de mensagens entre Higor e Vânia (Foto: Arquivo pessoal)

A equipe de reportagem entrou em contato com Vânia. Ao g1, a mulher disse: “fiz referência ao que eu acredito, por ser mais velha e já ter trabalhado como empregada em outras empresas”. Ela também argumentou que conversou com ele “como amiga”.

Ao se referir à Feira de Artesanato de Belo Horizonte – atração popular da capital de Minas Gerais, onde há barraquinhas de comida, bolsas e roupas – “quis pontuar tão somente que o lugar de trabalho não é um lugar de lazer” e concluiu dizendo que, em momento algum, teve a “intenção de ofender ou de humilhar”.

g1 também procurou o restaurante para um posicionamento. Em nota, o Sushi Naka disse que “repudia qualquer ato dessa natureza sobretudo por sua origem oriental”. Ainda afirmou que “tem mais de 50% de negros em seu quadro de colaboradores e segue todas as normas e deliberações da vigilância sanitária”.

“A conversa apresentada pelo colaborador não foi realizada com a administração ou pessoas que respondem pelo estabelecimento legalmente. Portanto, o fato está sendo apurado internamente com todo respeito a cultura étnica”, completou o restaurante.

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