Adaptação precisa estar no centro da agenda climática

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Conclusão é resultado do terceiro painel do Ciclo de Debates Rumo à COP30, promovido por Geledés

A terceira rodada do Ciclo de Debates Rumo à COP30, promovida por Geledés – Instituto da Mulher Negra, em 22 de maio, teve como tema a Adaptação Climática. A iniciativa busca fortalecer a participação da sociedade civil nas negociações sobre o clima e garantir que a agenda racial esteja no epicentro das decisões globais. O evento virtual contou com as painelistas Alice Amorim, chefe da Assessoria Especial da COP30, e Luz Faliverne, assessora técnica da Direção Geral de Ação Climática da Cidade de Rosário, na Argentina. A mediação ficou a cargo de Mariana Belmont, assessora internacional de Geledés na área de Clima.

Alice Amorim iniciou sua exposição destacando a necessidade de a adaptação climática ganhar centralidade, uma vez que historicamente foi tratada como prioridade secundária. Todo o sistema é construído na ideia de que você precisa focar muito nas agendas de mitigação, na redução dos gases de efeito estufa, com a maior agilidade possível, porque aí, talvez, a hipótese seja a de que não é necessário se adaptar. Porém, hoje, em 2025, sabemos que isso não é suficiente“, afirmou.

Segundo Amorim, a COP30 precisa dar conta de reforçar o multilateralismo, acelerar a implementação das iniciativas e aproximar a agenda climática da vida das pessoas. ” Temos muitas experiências para discutir e muito a aprender dentro desse regime. É necessário existir em termos de capacidades, em termos de transferência de tecnologia, em termos de financiamento, para que a agenda de adaptação vire uma agenda mainstream e transversal”, disse ela.

A chefe da Assessoria Especial da COP30 defendeu a atualização do Plano Nacional de Adaptação (NAP), vigente desde 2016, e a construção de um sistema de indicadores para medir o progresso do Objetivo Global de Adaptação (GGA). ” É bem diferente na agenda de adaptação do que quando se fala de mitigação ou, por exemplo, da expansão de renováveis, em que há uma métrica única, com gigatoneladas de carbono”, ressaltando que cada país tem sua vulnerabilidade e por isso a necessidade de haver parâmetros agregados. “Existe um comitê, formado por um grupo de especialistas, que foi designado pelos países, pelo secretariado, para se chegar à uma proposta de lista de 100 indicadores. Essa lista vai ser divulgada muito em breve, inclusive sugiro fortemente que seja antes de Bonn”, disse ela.

Para ela, outro ponto sensível é o financiamento. Amorim alertou para a queda dos recursos públicos internacionais e defendeu metas específicas para adaptação dentro do “Roadmap Baku a Belém para US$ 1,3 trilhão”, iniciativa conjunta da COP29 (Azerbaijão) e COP30 (Brasil) para serem incrementados os custeios climáticos. “O financiamento precisa estar orientado para reduzir desigualdades estruturais. Isso não é garantido pelos recursos privados, mesmo que eles estejam presentes na prática da adaptação.”

Ao final, reforçou que adaptação climática é também uma resposta política à desigualdade. “Pensando do ponto de vista da discussão do racismo estrutural e de todos os aspectos das vulnerabilidades históricas de vários territórios, é bastante essencial que políticas públicas tratem de lidar com esses desafios e que canalizem recursos para reduzir essas desigualdades e promover a inclusão.”

Na sequência, Luz Faliverne apresentou uma perspectiva latino-americana sobre o mesmo tema, com ênfase na necessidade de justiça racial, social e de gênero na construção dos indicadores globais de adaptação.

Faliverne é uma das articuladoras do projeto latino-americano Pocoa (“construção coletiva de indicadores de adaptação”), que propõe um sistema com quatro camadas: global, regional, desagregada e nacional. A primeira envolve até 100 indicadores globais, a segunda enfatiza a desagregação por sexo, raça e origem territorial, a terceira trata das vulnerabilidades regionais e a quarta busca coerência com os planos nacionais.

A assessora técnica da Direção Geral de Ação Climática da Cidade de Rosário chamou atenção para a importância da maturidade metodológica, sublinhando o papel das organizações sociais como guardiãs das informações. “É preciso entender como as diferentes entidades têm considerado os aspectos transformacionais e como se relacionam com as questões de justiça e igualdade e o que isso significa para os diferentes grupos étnicos”

Com experiência em negociações internacionais, Faliverne defendeu que informações circulem entre os negociadores para garantir que as dimensões de gênero, raça e território não sejam ignoradas. Nesse sentido, ela sugeriu o intercâmbio de conhecimentos, informações e dados. “É preciso incumbirmos os comitês de informações em todos os outros órgãos a relatar as conclusões das negociações. Sabemos que se não tivermos a capacidade de colocar toda essa participação de diferentes órgãos, de mulheres, de grupos raciais, se não tivemos essa tecnologia, vamos perder essas informações.”

A especialista apontou ainda que a interseccionalidade deve ser a chave para integrar todas as questões ao mainstream climático. “O trabalho isolado em salas independentes não tem sido benéfico para diversos tópicos, pois tudo tem que ser trans versalizado.”

O evento promovido por Geledés evidenciou que a adaptação climática não é apenas um tema técnico. É um imperativo para o avanço de efetivas mudanças. E, como apontaram as painelistas, a construção de um futuro resiliente começa com a escuta atenta das vozes das populações historicamente silenciadas.

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