Aprendendo amar com bell hooks: a restauração da comunidade a partir de uma ética amorosa

FONTEPor Gabriela Samira Onias, enviado ao Portal Geledés
bell hooks (Foto: Karjean Levine / Getty Images)

“Nós mesmos temos de elevar o nível da nossa comunidade, elevar nossos padrões, tornar nossa própria sociedade bonita para que fiquemos satisfeitos[…] precisamos mudar a ideia que temos uns dos outros.

Precisamos enxergar uns aos outros com novos olhos […] precisamos nos unir com afeto.”

Malcom X

Desde que li bell, um raio de luz acendeu em meu coração. Ler alguém como eu, alguém que traduzia alguns dos pensamentos e visões dos quais compartilhava, ler alguém que me permitia refletir sobre as nossas vivências a partir de uma ótica não ocidental, ler alguém que tinha um compromisso genuíno com a nossa comunidade e conosco. A escrita de bell é (porque a escrita é viva e imortal) sensível as questões raciais da população negra afro diaspórica, bell decidiu trilhar esse caminho, ser uma intelectual.

De todas suas obras, a que mais popularizou nos últimos anos foi Tudo Sobre o Amor, e a partir dessa obra que escrevo esse texto, a partir dos ensinamentos de bell que venho compartilhar algumas visões sobre o amor e nossa comunidade. A partir dessa obra despida de que qualquer academicismo que bell vem conversar conosco sobre o amor.

Muitos buscaram ensinar sobre o que a bell quis dizer neste livro, houve muitos cursos, resenhas, textos, palestras e diversas formas de espalhar a mensagem de bell, mas um ponto fundamental que ressalto da obra é o quanto a bell demonstra o amor de uma forma única e pessoal. 

Embora bell conceitua o amor como sendo uma ação, “o amor é o que o amor faz”, e essa frase é esplendida, há um entendimento central na sua perspectiva do amor que coloca o amor sendo uma combinação de elementos como confiança, respeito, responsabilidade, cuidado e compromisso. Quando pensamos no amor, podemos pensar em diversas formas e pessoas, mas, ainda assim, a nuvem da ideia do amor romântico perpassa sobre essas relações, pouco pensamos no amor a partir desses elementos, dos atos e das ações que estejam banhadas pelo cuidado, pelo compromisso, pela responsabilidade e também perpassam pelas palavras que são ditas. 

Decolonizar o pensamento dessas estruturas é um processo árduo, mas nos liberta das prisões de relações que não são frutíferas para nós. Decolonizar os pensamentos das projeções das relações e passar a compreender que a linguagem de amor se traduz nas ações de cuidado, responsabilidade, afeto, compromisso e respeito, e que é uma urgência para nossa comunidade implementar essas ações uns com os outros. O amor é um mecanismo de proteção contra as consequências do racismo.

Diante disso, entendi muito das minhas relações, compreendi que, embora minha vó fosse uma senhora de poucas palavras, me amou nas ações, no ligar para saber se eu estava bem, no ato de cozinhar para mim, nos gestos de cuidado e carinho que me era dado, desde a infância a fase adulta. 

Pensei na minha vó enquanto lia Tudo sobre o Amor e o livro Pertencimento, entendi que minha ancestralidade perpassa também por quem me gerou e me permitiu estar aqui e diante de todas as atrocidades do racismo, ainda assim eles persistiram e permaneceram, construíram um caminho para que pudéssemos prosperar, da forma e com as ferramentas que tinham, almejaram que continuássemos a viver e isso deve ser honrado, isso nos trouxe até aqui.

O amor compõe quem somos, o amor é aquilo que nutre nossa existência, descentralizar o amor da lógica capitalista e individualista nos permitirá vivenciar um amor que compactua com a ética amorosa e nos fortaleça enquanto indivíduos e comunidade. A partir dessa lógica de bell fui capaz de desfazer laços que não encontrava essa concepção de amor que bell ensinou, ressignifiquei alguns laços e outros busquei exercitar esse amor, o que pude entender com isso é que um regaste ancestral se iniciou ali.

O racismo deturpou nossa visão sobre o amor, corremos atrás de (i)lógicas que não estão alinhadas com o que nosso ser precisa, não está alinhada com nossas origens e nossa comunidade. Há uma passagem no livro que bell diz que “para trazer a ética amorosa para todas as dimensões de nossa vida, nossa sociedade precisaria abraçar a mudança”, esse é o convite de bell para nós. Um exercício diário de fazer as mudanças necessárias para que abracemos o amor e conseguimos criar laços que esse sentimento esteja verdadeiramente inserido, onde o respeito, o compromisso, a responsabilidade, o afeto sejam a base das nossas relações e da construção da nossa comunidade amorosa.

Desejo que o legado da bell permaneça vivo em nós, que a partir de uma ética amorosa conseguimos construir uma comunidade amorosa que tenha as bases e valores para prosperarmos. Ao final, entendermos que o “amor é nossa esperança e salvação”, que a partir desse amor entre os nossos poderemos construir um futuro para nossa sociedade.


Mini biografia:

Gabriela S. Onias (Foto: Arquivo Pessoal)

Gabriela S. Onias é advogada e pesquisadora no campo de questões raciais e direito, mestra em Direito Constitucional, apaixonada por livros e escrita.


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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