Com direção de Luiz Antonio Pilar, musical sobre Ataulfo Alves estreia na próxima sexta

‘Ataulfo Alves — O bom crioulo’ traz a música e o refinamento do sambista para o palco do Teatro Dulcina

POR LUIZ FELIPE REIS, do O Globo 

Ataulfo Alves vestiu o samba para a noite de gala. E foi essa uma das maiores contribuições do compositor ao gênero musical que o tornou famoso. Não à toa, termos como sofisticação, elegância, requinte, entre outros sinônimos, se revezam nas palavras do diretor Luiz Antonio Pilar, do diretor musical Alexandre Elias e do ator Wladimir Pinheiro quando perguntados sobre os principais traços do sambista que eles passaram os últimos meses pesquisando. O trio, ao lado de nove atores e quatro músicos, vai levar o samba e o refinamento de Ataulfo ao palco do Teatro Dulcina com o musical “Ataulfo Alves — O bom crioulo”, que estreia na próxima sexta-feira.

— Ele deu uma nova roupagem ao samba e aos sambistas, ou seja, dotou ambos de maior elegância — diz Pinheiro, que interpreta o protagonista. — Ataulfo vestiu o samba de gala, com sambistas de terno e uma sonoridade de orquestra.

E, assim, ampliou o alcance do gênero, aumentando sua penetração social via rádio e levando-o dos estratos populares às altas rodas da sociedade.

 

Dany Stenzel, como Carmem Miranda, ao lado do ator Wladimir Pinheiro, que encarna o protagonista - Foto divulgação / Eric Paiva/Divulgação Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/teatro/com-direcao-de-luiz-antonio-pilar-musical-sobre-ataulfo-alves-estreia-na-proxima-sexta-17338501#ixzz3kJ3OKgLJ © 1996 - 2015. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
Dany Stenzel, como Carmem Miranda, ao lado do ator Wladimir Pinheiro, que encarna o protagonista – Foto divulgação / Eric Paiva/Divulgação

— Ele ajudou a consolidar o samba como a música das rádios, e assim o fez atingir toda a cidade — diz Alexandre Elias.Pilar defende que o compromisso maior de toda a carreira de Ataulfo foi justamente esse: atingir o maior número de pessoas possível. E, de algum modo, entendeu que era preciso readequar o samba, remodelando sonoramente o gênero e vestindo os músicos com trajes de trabalhador, aposentando o imaginário vadio.

— Ele contribuiu musicalmente e socialmente para desmarginalizar o samba — diz Pinheiro. — O governo Getúlio exaltava o trabalhador, e o Ataulfo entendeu o recado. O novo malandro não era mais o malandro, mas o sambista trabalhador.

— O Ataulfo foi o primeiro a gravar samba com orquestra — lembra Elias. — Ele queria os grandes maestros, arranjadores, os melhores músicos e cantores. Ele mirava a sofisticação, e criava esse contraponto entre o popular e o elegante, o sambista de terno que flertava com o erudito, como os negros que criaram o jazz. Talvez por causa de Ataulfo tenhamos chegado à bossa nova.

O espetáculo traz uma narrativa biográfica, apresentada num botequim. Lá, um maître (Marcelo Capobiango) vislumbra o espírito do compositor e dá partida a um papo regado a doses de cana. É no fluxo desse papo que personagens como Ari Barroso e Mário Lago (vividos por Alexandre Vollú) e Pixinguinha e Wilson Baptista (interpretados por Édio Nunes) tomam a cena, junto a clássicos do compositor, como “Errei sim” e “Leva meu samba”.

Para além da música, Pilar fez questão de usar a expressão “bom crioulo” no título da peça para provocar reflexões:

— É para que a gente se pergunte mesmo. O que é ser um bom crioulo?

E o que é? Na visão de Ataulfo, em seu samba “Bom crioulo”, a mensagem diz: “Nunca fez uma arruaça/ Não sabe ser valentão/ Mas não nega a sua raça/ Quando pega o violão”.

— É se valer do seu talento para que a negritude se espalhe — argumenta Pilar. — Para o Ataulfo, era se manter na linha, mas sem negar a raça. O bom crioulo é alguém que afirma a sua origem.

“DRAMA E CONFLITO ESTÃO NA MÚSICA”

Ataulfo desempenhou, de fato, uma trajetória profissional exemplar, ascendente, “sem descaminhos”, diz Pilar, que tem como base o texto de Enéas Carlos Pereira e Edu Salemi. Nascido em 1909 em Miraí (MG), o compositor chegou ao Rio aos 19 anos, onde se dividiu entre o batente na farmácia e o batuque nas rodas. Foi entre fármacos e elementos químicos que ele formulou a boa liga dos seus sambas e cativou parceiros como Mário Lago (“Ai, que saudades da Amélia”) e Wilson Baptista (“O bonde de São Januário”), além de divas como Carmen Miranda, Dalva de Oliveira e Elizeth Cardoso, até, posteriormente, impulsionar a carreira da jovem Clara Nunes. Casado com Judite e pai de cinco filhos, Ataulfo morreu às vésperas de seus 60 anos. Maleável politicamente e com um faro empreendedor apurado, batalhou não só pela sofisticação da música, como foi pioneiro na luta por direitos autorais, contratos mais vantajosos e autonomia artística para cantores e compositores.

— Ele nos dá a chance de vivenciar os aspectos mais positivos do homem negro — diz Pilar. — Não é a miséria, marginalidade ou irracionalidade, mas o talento que garante a quebra de barreiras e o sucesso econômico sem a perda da dignidade.

Às vezes criticado pela maleabilidade, Ataulfo viveu uma vida sem grandes conflitos e crises, o que gerou um desafio aos autores do espetáculo.

— Quando o Ataulfinho (Ataulfo Alves Jr.), filho dele, me incentivou a fazer o musical, eu disse, “Pô, teu pai é quase perfeito, é um problema. Não tem drama e conflito”. Mas é claro que tem, e tudo está na música. É lá que ele fala do amor e seus dilemas, do receio da morte e da afirmação da vida.
SERVIÇO

“Ataulfo Alves — O bom crioulo”

Onde:Teatro Dulcina — Rua Alcindo Guanabara 17, Centro (2240-4879).

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Quando: Estreia 4/9. De qua. a dom., às 19h. Até 4/10.

Quanto: R$ 20.

Classificação: 14 anos.

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